Estudante de escola pública, mãe solo, periférica e filha de pais analfabetos, Ana Cleia Ferreira Rosa viu os estudos como uma forma de realizar não somente os seus sonhos, mas os de sua mãe, que não teve oportunidade.
Conhecida como Kika, Ana Cleia é a terceira de uma família de seis filhos, da periferia de Porto Nacional, cidade do estado do Tocantins, região norte do país.
Filha da piauiense Joana Ferreira Costa, essa mãe veio para norte de Goiás com planos de estudar. Entretanto, teve os sonhos interrompidos e foi mantida para trabalhar como empregada doméstica.
Anos depois, Dona Joaninha viu o casamento como uma forma de realizar seu plano inicial, porém, mais uma vez, o sistema a impediu de estudar, pois o marido não permitiu. Somente após trinta anos de casada, ela conseguiu voltar aos estudos e terminou o Ensino Médio aos 54 anos.
“Por que é importante falar da história da minha mãe? para dizer que sou fruto dessa resistência e persistência da minha mãe, de não ter desistido diante dos obstáculos. A vida inteira eu ouvi ela falar que não teve oportunidade de estudar, ela disse que possibilitaria isso aos seus filhos”, lembra Ana Cleia Kika.
Estudante de escola pública, Ana Cleia Kika ingressou aos 37 anos na Universidade Federal do Tocantins (UFT). E, de forma incansável, ela voltou para a sala de aula em 2014. Graças ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Ana iniciou o curso bacharelado de Ciências Sociais por meio das cotas. E atualmente, é a primeira integrante da família a conseguir um diploma de graduação e a se formar em uma universidade federal.
“Era o desejo da minha mãe, se concretizando em mim, eu desfruto da luta da minha mãe e dos meus ancestrais que não puderam estar neste espaço majoritariamente ocupado por brancos. Por isso, que vejo a tamanha significância, e hoje, digo com orgulho que sou cotista e a primeira mulher negra tocantinense a receber o título de cientista social”, conta.
Durante a faculdade, Ana Cleia Kika enfrentou os desafios de permanecer na universidade, por conta da maternidade, afazeres domésticos, preconceito de etarismo e dificuldades financeiras. Por outro lado, agarrou e usufruiu das oportunidades de pesquisa, monitoria e extensões.
Hoje, é presidenta do PT da sua cidade, defensora dos direitos humanos, militante do movimento negro unificado (MNU), pesquisadora e mestranda em comunicação e sociedade pela UFT, pelas políticas de cotas, e almeja, o doutorado.
“O sistema cotas é uma reparação histórica à população negra, importante frisar que nunca foi esmola. Desde da época da escravatura e pós, negras e negros vivem excludentes de oportunidades. Fomos largados à própria sorte”, enfatiza
Importância das Cotas
A história de Ana Cleia Kika confunde-se com histórias de diversas pessoas negras e negros de todo o país, que são frutos das políticas de ações afirmativas, como as cotas.
Criada em 2012, no primeiro ano de mandato da então presidente Dilma Rousseff, a Lei de Cotas do Ensino Superior (Lei 12.711/2012) é uma grande conquista do movimento negro durante os governos do PT, e contribuiu para o ingresso de milhares de estudantes nas universidades, e a popularização do ensino superior.
A Lei de Cotas nas Universidades completa 10 anos e prevê que o programa deve ser revisto pela Câmara Federal e Senado. Por isso, os movimentos antirracistas reivindicam a continuidade dessas políticas de reparação para impedir retrocessos e corrigir desigualdades.
A coordenadora nacional do movimento negro unfiicado (MNU), pesquisadora e pedagoda, Iêda Leal, ressalta que a política de cotas é uma ação afirmativa de início de uma grande reparação pelo crime cometido contra à população negra, durante os 400 anos de escravidão.
“O reconhecimento do Estado brasileiro que nós negros temos que ter, para romper e quebrar essa desigualdade social e racial. O racismo ele está presente na estrutura da sociedade e faz muito mal, e escravidão fez mal para o Brasil”, explica.
Iêda Leal pontua que após dez anos de cotas, neste momento o que deve ser feito é a avaliação e reavaliação das cotas, no sentido de dar continuidade e ampliação; se a universidade está comprometida com a entrada, permanência e saída dos profissionais.
“Precisamos que esse projeto continue e cobraremos uma maior equidade para permitir que negros estejam em todos os espaços. Cotas ficam, quem é contra as cotas está a favor do racismo”, frisa.
Projeto de Prorrogação das Lei de Cotas
A deputada federal Benedita da Silva (RJ), e os parlamentares Carlos Zarattini (SP) e Valmir Assunção (BA) apresentaram o projeto de Lei 3422/2021 na Câmara Federal, que garante a prorrogação pelo prazo de 50 anos da Lei de Cotas, legislação que permite o acesso às instituições de educação superior de estudantes pretos, pardos e indígenas e de pessoas com deficiência, bem como daqueles que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.
“Em parceria com o deputado federal Valmir Assunção e demais colegas do Partido dos Trabalhadores, apresentei o projeto de Lei 3422/2021, que garante a prorrogação, pelo prazo de 50 anos, da Lei de Cotas, pois essa ação assegura a continuidade dessas políticas de reparação, impedindo retrocessos e corrigindo desigualdades”, conta Benedita da Silva.
Por esta razão, a Lei é extremamente relevante, não só para evitar o perigo da perda de validade de uma lei tão importante, mas porque vivemos um momento histórico em que setores extremistas tentam acabar com políticas que proporcionaram o aumento da presença de negros, classe trabalhadora e indígenas do ensino superior.
Para garantir que esse projeto seja aprovado com agilidade, os parlamentares criaram a campanha “Cotas Sim” para pressionar o presidente da Câmara Federal, Arthur Lira, a incluir a proposta na pauta de votações e conquistar os deputados federais para a causa.
Eles apelam para que as pessoas participem do abaixo-assinado criado pela campanha “Cotas Sim” que pede à Câmara para colocar em votação a proposta.
Segue o abaixo-assinado:
Dandara Maria Barbosa, Agência Todas
Matéria publicada originalmente no site PT na Câmara e replicada neste canal.