Produção e produtividade industrial estão em queda livre desde junho. Com falta de insumos, energia cara e consumo baixo, tendência é que continuem caindo
A enxurrada de indicadores econômicos desastrosos do desgoverno Bolsonaro prossegue nesta quinta-feira (2), com a divulgação da Pesquisa Industrial Mensal (PIM) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em julho de 2021, a produção industrial nacional caiu 1,3% frente a junho, na série com ajuste sazonal. Este é o segundo resultado negativo consecutivo, acumulando uma perda de 1,5%.
O recuo teve perfil disseminado, alcançando duas das quatro grandes categorias econômicas e 19 dos 26 ramos pesquisados. Com o resultado de julho, a produção industrial ficou 2,1% abaixo do patamar pré-pandemia, de fevereiro de 2020.
Os números decepcionaram o mercado pela segunda vez em dois dias, após o anúncio da queda do Produto Interno Bruto (PIB) nesta quarta-feira (1). A expectativa de analistas ouvidos pela Refinitiv era de queda de 0,5%, mesma de pesquisa da Reuters. Já analistas consultados pela agência Bloomberg projetavam recuo de 0,8%.
“O terceiro trimestre começa com o pé esquerdo e este dado se soma ao PIB divulgado ontem, apontando uma fraqueza da atividade em 2021”, sentenciou o economista-chefe da Necton, André Perfeito, em nota.
André Macedo, gerente da pesquisa do IBGE, lembra que, em linhas gerais, o comportamento de julho não difere muito do observado ao longo do ano – dos sete meses, em cinco houve queda. Segundo ele, o resultado permanece ligado aos efeitos da gestão desastrosa da pandemia da Covid-19 pelo desgoverno Bolsonaro.
“No início do ano, houve fechamento e restrições sanitárias maiores em determinadas localidades, que afetaram o processo de produção. Com o avanço da vacinação e a flexibilização das restrições, a produção industrial agora sente os efeitos do encarecimento do custo e do desarranjo de toda cadeia produtiva”, observa.
Segundo o IBGE, os efeitos da demanda doméstica também contribuem para o resultado. Uma das influências negativas mais importantes da produção industrial de julho foi do setor de bebidas, que caiu 10,2%, interrompendo três meses de taxas positivas. Outro setor que pressionou o resultado foi de produtos alimentícios, com queda de 1,8%, a segunda seguida, acumulando perda de 3,8%.
“Há dificuldade das pessoas em obter emprego, com um contingente importante fora do mercado de trabalho, a precarização do emprego e a retração na massa de rendimento, como mostrou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgada na terça-feira (31) pelo IBGE”, enumera Macedo.
O pesquisador ressaltou ainda o descontrole inflacionário, que reduz a renda das famílias e o consumo no dia a dia. “O resultado da indústria está no escopo dos resultados de renda, emprego e inflação mostrado pelas demais pesquisas”, conclui.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) também detectou baixa no índice de produtividade industrial. O indicador caiu 1,6% no segundo trimestre de 2021 em relação ao período anterior, acumulando três trimestres consecutivos de baixa.
Marcelo Azevedo, gerente de Análise Econômica da CNI, explica que a baixa produtividade resulta da queda da produção da indústria e da diminuição das horas trabalhadas. “O indicador reflete um esgotamento dos investimentos feitos, e o ambiente de incerteza para quem investe. Com diversos fatores em contração, não surpreende esse comportamento da produtividade”, comenta.
Tendência é de mais queda nos próximos meses
Logo após o anúncio do IBGE, o banco JP Morgan divulgou relatório prevendo que a produção industrial deve continuar caindo nos próximos trimestres. No relatório enviado a clientes, os economistas Vinícius Moreira e Cassiana Fernandez apontaram que as pesquisas de sentimento da indústria sugerem que os estoques estão baixos, especialmente no setor de bens duráveis. A tendência, então, é que a desaceleração continue.
Segundo os economistas, os dados tendem a ser negativos, “à medida que as condições financeiras se estreitam ainda mais no terceiro trimestre, a crise hídrica se agrava e as restrições de fornecimento para a produção de veículos permanecem”.
A sinalização concreta dessa tendência é a formação bruta de capital fixo (FBCF), que também registrou recuo no segundo trimestre. Embora a demanda na construção civil tenha apresentado bom desempenho no período, o consumo aparente de máquinas e equipamentos foi afetado negativamente pela queda nas importações.
Não à toa, o Índice de Confiança da Indústria (ICI), do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), caiu -1,4 ponto em agosto, para 107 pontos. “A confiança da indústria recuou influenciada pela piora da situação atual e uma acomodação das expectativas das empresas em relação aos próximos meses”, afirma a economista da instituição Claudia Perdigão.
“A indústria de transformação vem, desde o final do ano passado, enfrentando gargalos associados a escassez de insumos, recentemente agravado por problemas de logísticas nos mercados internacionais, e encarecimento da energia elétrica. Aliado a isso, o aumento da incerteza diante da nova variante delta contribui para uma desaceleração no processo de recuperação da indústria”, explica a pesquisadora.
Falta de insumos, energia cara e inflação por escassez
A indústria de transformação continua sendo impactada negativamente pela escassez de insumos e pelo forte aumento dos custos de transporte internacional, devido à taxa de câmbio e à falta de contêineres. No front nacional, os altos preços dos combustíveis e de energia elétrica são a principal dificuldade. Gastos com energia representam até 40% dos custos de produção em alguns setores industriais.
Pesquisa recente da CNI retrata o temor com os desdobramentos da crise hídrica, causada pela má gestão dos reservatórios pelo desgoverno Bolsonaro. Segundo o estudo, os industriais temem principalmente o aumento nos custos de energia (83%). Possível racionamento (63%) e chance de interrupções no fornecimento de luz (61%) também são ameaças citadas.
O desarranjo das cadeias industriais, causado pela absoluta falta de rumo e de propostas para o setor do ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, deve fazer com que, pela primeira vez desde a adoção do Plano Real, o Brasil enfrente uma inflação motivada por escassez. Geralmente, o aumento de circulação do dinheiro ocorre pelo excesso de demanda, que impulsiona os preços.
“Nunca enfrentamos nada igual no período do Real, com escassez em tantos setores da economia, embora enfrentemos um cenário de alta liquidez, porque o governo injetou dinheiro nela para que não quebrasse. Algo que se repetiu pelo mundo para evitar os danos de lockdown”, diz Felipe Guterres, CEO da consultoria Luvi One.
Segundo o economista, a escassez de produtos afeta as cadeias produtivas, que pararam por longos períodos e trabalham com estoques ainda mais baixo que o habitual. Os impactos podem ser sentidos principalmente na indústria automotiva, onde os prazos para entrega estão dilatados e podem ultrapassar os 120 dias.
Coordenador do Índice de Preços ao Consumidor do FGV/Ibre, André Braz destaca a importância dos altos preços dos combustíveis e a crise energética. “Nós temos uma certa escassez, mas há outras pressões em paralelo. Aumento do petróleo e crise hídrica são outros dois fatores que afetam os preços. Isso diminui a oferta de alimentos e, somado à falta de produtos, compromete a cadeia produtiva.”
Os dois especialistas acham improvável que os preços voltem a se acomodar rapidamente e retomem em algum momento ao patamar pré-pandemia. A explicação para isso está nas margens de lucro represadas desde o início da pandemia. Braz espera retração apenas a partir do segundo semestre de 2022.
“Depende da normalização da cadeia produtiva. Devemos ter aumento de juros para conter a inflação, e isso segura muito a atividade econômica, evitando aumento de preços. Se ocorrer no primeiro semestre, pode ser mais fácil. Depende de resolver a questão hídrica. Para isto, precisamos saber se teremos um verão com pouca ou muita chuva. Tudo isso terá impacto na economia”, pondera.
Guterres não está certo de que os preços retornem ao patamar anterior à presença da Covid-19. “Os preços não voltam ao pré-pandemia por questões estruturais e pela mudança de nível. Mesmo que haja um equilíbrio entre a cadeia de suprimentos, entre oferta e demanda, eles devem ficar acima. Nós mudamos um degrau para vários preços”, finaliza.
Da Redação, com agências de notícias
Matéria publicada originalmente no site Partido dos Trabalhadores e replicada neste canal.