Guarda assassinado por bolsonarista em Foz do Iguaçu nasceu em favela e deixa esposa e quatro filhos
Assassinado por um bolsonarista no último sábado (9) em Foz do Iguaçu (PR), o guarda municipal Marcelo de Arruda, 50, nasceu na favela e começou a trabalhar como engraxate. O interesse político e pelas questões sociais nasceram daí.
Desde cedo, porém, soube conviver com as diferenças e tinha amigos das mais variadas ideologias. Como ex-militar e guarda, convivia e se dava bem com muitas pessoas mais à direita, incluindo bolsonaristas.
Segundo amigos e familiares, o guarda jamais teria iniciado uma briga como fez o bolsonarista que invadiu sua festa e o matou –o homem foi baleado e segue internado.
Marcelo deixa a esposa, Pâmela, um bebê de 40 dias, uma menina de 6 anos e dois filhos mais velhos de um primeiro casamento.
“Eu conheço o Marcelo há muito tempo e ele nunca perguntou em quem eu votava”, diz Francisco Vedur, 65, agente patrimonial na cidade e colega de trabalho de Marcelo.
Quem conhecia Marcelo no dia a dia diz que ele fugia muito do estereótipo de agentes de segurança. Inclusive, era bastante discreto ao portar a arma e não era do tipo que vivia grudado nela.
De acordo com os relatos deles, Marcelo gostava mesmo era de patrulhar pelas ruas, conversar com as pessoas e era muito popular nos bairros pobres da cidade.
Parceiro de rua na Guarda, Arlei Silva conta que era o motorista, enquanto Marcelo era quem fazia as abordagens. Já enfrentaram casos, por exemplo, de troca de tiros, embora sem feridos. Mas isso era a exceção.
“As situações eram controladas na verbalização na maioria das vezes”, diz Arlei. De acordo com ele, ambos trabalhavam na mesma região onde moravam, logo, eram bastante conhecidos e faziam um trabalho de policiamento comunitário.
“Ele tinha duas paixões: a Guarda e a política”, diz Alexandra Moisés de Arruda, 49, mãe de dois dos quatro filhos de Marcelo. Na atuação na guarda, uma coisa não dissociava da outra.
O engajamento poderia passar tanto por levar quem estivesse precisando com a viatura até um hospital ou ao se juntar com colegas de trabalho para ajudar meninos que moravam em uma favela. E, claro, também melhorar as condições da Guarda da cidade —pouco antes de morrer, ele havia conseguido uma vitória para a categoria, relatam amigos.
Atualmente, Marcelo era diretor da executiva do Sindicato dos Servidores Municipais de Foz do Iguaçu (Sismufi).
Na política partidária, Arruda era tesoureiro do PT. No partido havia mais de dez anos, ele concorreu a vereador e a vice-prefeito pela sigla em eleições municipais recentes.
Ele entrou no partido a convite e, desde aquela época, surgiu a admiração pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sindicalista como ele.
“A política estava na veia do Marcelo desde sempre”, completa Alexandra.
A luta pelas questões sociais começou cedo na vida do rapaz, então com 20 e poucos anos, por meio das questões do sindicato. E a origem de Marcelo, que viveu na pele a desigualdade do país, pesou nesse olhar.
Marcelo foi criado em uma favela em Foz do Iguaçu. Boa parte desse tempo foi vivido sem nem mesmo energia elétrica em casa.
A família só começou a sair de lá quando o irmão mais velho arrumou um emprego em Itaipu e, aos poucos, foi melhorando as condições da família.
“Ele começou a trabalhar como engraxate, como todos nós. Como sempre passava um moço vendendo picolé e ele gostava muito, eu coloquei esse apelido nele”, diz o irmão mais velho, Luiz Donizete Arruda, 54, hoje aposentado.
Familiares dizem que Marcelo tinha uma personalidade inquieta e vivia sempre fazendo descobertas.
Musicalmente, tinha gosto eclético e também gostava de ler de tudo. Um dos livros que admirava era as Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, lembra um dos sobrinhos dele, Thiago de Arruda, 32.
“Meu pai era uma pessoa que depois de velho sempre estava querendo aprender alguma coisa e passar para a gente”, diz o filho mais velho, Leonardo Miranda de Arruda, 26.
Matéria publicada originalmente no site Folha de São Paulo e replicada neste canal.