A CPMI do Golpe marcou para a próxima terça-feira, 11, o depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro. Certamente, a maior parte das perguntas que os deputados e senadores farão ao militar será sobre o conteúdo encontrado pela Polícia Federal em seu celular.
O aparelho chegou às mãos da PF após Cid ser preso em 3 de maio, acusado de fraudar cartões de vacinação contra a Covid para ele mesmo, sua esposa, Bolsonaro e a filha do ex-presidente. No telefone, porém, os policiais encontraram provas de que Cid e outras pessoas muito próximas de Bolsonaro planejaram, após as eleições de 2022, um golpe de Estado para impedir a posse de Lula.
Veja a seguir um resumo de tudo que a Polícia Federal achou no celular de Mauro Cid:
Decreto de Estado de Sítio e de GLO
Um dos documentos encontrados pela PF é o modelo de um decreto de Estado de Sítio e de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) que seria assinado por Bolsonaro para interromper o processo democrático no Brasil.
Após acusar o Supremo Tribunal Federal (STF) de agir de forma inconstitucional e fazer uma análise completamente distorcida da Constituição, a minuta se encerra da seguinte forma: “Diante de todo o exposto (…) declaro o Estado de Sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem”.
É importante ressaltar: a decretação de Estado de Sítio suspenderia temporariamente a atuação do Congresso e do STF. E a GLO acionaria as Forças Armadas para agir conforme as ordens de Bolsonaro. Não há dúvidas, portanto, que se trata de um documento escrito com a intenção de se praticar um golpe de Estado no país.
Essa minuta golpista descrita pela PF no relatório é diferente do documento encontrado na casa de Anderson Torres, o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro que se tornou, depois, secretário de Segurança do DF. A PF investiga se se trata de documentos complementares, que fariam parte de um mesmo plano.
O documento “Forças Armadas como poder moderador”
Além da minuta de decreto golpista, o celular de Mauro Cid guardava também um documento que descreve oito etapas para a execução de um golpe para anular as eleições e impedir a posse de Lula, intitulado “Forças Armadas como poder moderador”.
As etapas descritas são: nomeação de um interventor; prazo para restabelecimento da ordem constitucional; Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal sob comando do interventor; suspensão de atos do Poder Judiciário e afastamento de magistrados; abertura de inquérito sobre magistrados; autorização para interventor suspender outros atos considerados inconstitucionais; substituição dos ministros do TSE; e realização de novas eleições.
O título do documento é claramente uma referência à tese absurda propagada pelo jurista conservador Ives Gandra Martins, espécie de mentor teórico do golpismo bolsonarista que, durante anos, afirmou que a Constituição preveria a possibilidade de as Forças Armadas agirem como poder moderador (leia mais abaixo).
Conversas com Jean Lawand
Autor das mais desesperadas mensagens clamando pela concretização do golpe, o então subchefe do Estado Maior do Exército, coronel Jean Lawand Junior, aparece em conversas com Cid defendendo claramente que Bolsonaro acione o Exército e dê um golpe.
“Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele [Bolsonaro] dê a ordem que o povo tá com ele, cara. Se os caras não cumprir, o problema é deles. Acaba o Exército Brasileiro se esses cara não cumprir a ordem do, do Comandante Supremo. Como é que eu vou aceitar uma ordem de um General, que não recebeu, que não aceitou a ordem do Comandante. Pelo amor de Deus, Cidão. Pelo amor de Deus, faz alguma coisa, cara. Convence ele a fazer”, pediu Lawand em um dos áudios enviados dia 30 de novembro a Mauro Cid, em 30 de novembro de 2022.
Mauro Cid, então, revelou dificuldades em executar o plano proposto por Lawand, não porque fosse antidemocrático, mas por Bolsonaro ter dúvidas de que o Alto Comando do Exército o apoiaria: “O PR (presidente da República) não pode dar uma ordem se ele não confia no ACE (Alto-Comando do Exército)”.
Lawand insistiu no golpe por quase um mês e só jogou a toalha em 22 de dezembro: “Soube agora que não vai sair nada. Decepção, irmão”.
Ailton Barros e Élcio Franco
Outros que foram flagrados defendendo e articulando um golpe de Estado com Mauro Cid foram o ex-major do Exército Ailton Barros e o coronel Élcio Franco.
Barros, que se apresentava como o 01 de Bolsonaro, afirmou nas conversas com Cid que o golpe precisaria da participação do comandante do Exército e que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes deveria ser preso.
Em outras mensagens, Elcio Franco — assessor direto do general Braga Neto e ex-número dois do Ministério da Saúde durante a gestão de Eduardo Pazuello (quando se envolveu num escândalo de superfaturamento de vacinas) — defendeu abertamente um golpe militar através do Batalhão de Operações Especiais da Força, passando por cima da autoridade do comandante do Exército.
Grupo com mensagens golpistas
Cid participava de um grupo de whatsapp integrado por militares da ativa no qual a PF encontrou mensagens golpistas de uma pessoa identificada como Gian. “Uma ação por parte do PR e FA, que espero que ocorra nos próximos dias. Sem volta, ou o PR/FA fazem algo, ou seremos arrastados para o problema, o que é pior”.
Há também mensagens aparentemente sobre o ministro do STF Alexandre de Morais. “Careca sendo arrastado por blindado em Brasília”.
Outra pessoa identificada como Marcio Resende comentou: “Se o Bolsonaro acionar o 142, não haverá general que segure as tropas. Ou participa ou pede pra sair!!!”. Também diz que se os militares não têm “coragem de enfrentar o cabeça de oco e uma fraude eleitoral, vamos enfrentar quem???”.
A colaboração de Ives Gandra Martins
A distância segura que o jurista Ives Gandra Martins buscava manter da turba golpista durou até a revelação das mensagens no celular de Mauro Cid, onde a PF encontrou uma tese sobre o artigo 142 da Constituição escrita por Gandra.
Segundo o jurista, que dá aulas na Escola do Comando e Estado Maior do Exército há 33 anos, esse artigo, muito citado pelos golpistas que participaram do 8 de Janeiro, permitiria uma intervenção das Forças Armadas em caso de crise entre os Três Poderes.
Cid guardava no celular o conteúdo de uma conversa por e-mail entre Gandra e o major do Exército Fabiano da Silva Carvalho, que perguntou ao advogado em quais situações as Forças Armadas poderiam ser acionadas. Gandra respondeu que o acionamento “pode ocorrer em situação de normalidade se, no conflito entre Poderes, um deles apelar para as Forças Armadas, em não havendo outra solução”.
No mesmo e-mails, Gandra fez uma espécie de defesa do golpe militar de 1964, que, segundo ele, teria sido “uma imposição popular por força dos desmandos do Governo Jango e do desrespeito constitucional aos princípios que deveria obedecer, inclusive na hierarquia militar com indicação de oficial general de três estrelas para Ministro”.
Esposa de Mauro e filha do general
Conversas de cunho golpista entre a filha do general Eduardo Villas Bôas, Ticiana Haas Villas Bôas, e a esposa de Mauro, Gabriela Cid, também foram encontradas pela PF.
“Temos q exigir novas eleições c voto impresso. Nada de intervenção federal. Estamos diante de um momento tenso onde temos q pressionar o congresso. Agora!!!!!”, postou Gabriela. Ticiana respondeu: “Ou isso, ou a queda do Moraes”.
Ambas defendiam também mobilizar caminhoneiros para sustentarem o golpe. “Os caminhoneiros tem q ser orientados”, disse Gabriela. “Alguém tinha que falar com eles”, respondeu Ticiana. “Sim! Foi o que pediu o presidente [Bolsonaro]. E acho que todos que podem tem q vir pra Bsb. Invadir Brasília como no 7 de setembro e dessa vez o presidente com essa força agirá”, afirmou a mulher de Mauro Cid.
Publicado originalmente no site PT.ORG