Ministro da Economia varia o discurso conforme a plateia. Nesta segunda, garantiu a um público do mercado financeiro que o benefício não será concedido no próximo ano. Especialistas projetam quadro de depressão econômica, insegurança alimentar e caos nas políticas de assistência social e segurança pública com o fim do auxílio
A falta de rumo do desgoverno Bolsonaro faz o ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, agir como biruta de aeroporto. Onze dias após dizer a donos de supermercados aflitos com quedas nas vendas que o auxílio emergencial para trabalhadores informais seria prorrogado caso houvesse uma segunda onda da pandemia de coronavírus, nesta segunda (23) ele garantiu à plateia de um evento virtual promovido pela consultoria de investimentos Empiricus que o benefício será extinto no fim do ano.
Aos colegas do mercado financeiro, Guedes admitiu que há pressão política pela prorrogação do auxílio, mas prosseguiu mascateando suas ilusões. “Os fatos são que a doença cedeu bastante e a economia voltou com muita força. Do ponto de vista do governo, não existe prorrogação”, afirmou.
O ministro disse que o Brasil perderá 300 mil empregos com carteira em 2020. Até setembro, o país teve perda líquida (admissões menos demissões) de 558 mil vagas formais, segundo cálculos de sua pasta. Ele também voltou a defender a venda de estatais e a relatar dificuldades para dar andamento a um programa de privatizações.
“Houve um acordo político, aparentemente de centro-esquerda, para nós não pautarmos as privatizações. Isso foi muito ruim para nós”, lamentou. Também afirmou que a economia está “mais saudável”, com juros mais baixos e câmbio mais elevado.
Com essa fala, Guedes contrariou o que havia afirmado no evento do Dia Nacional do Supermercado, organizado pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras) no último dia 12: “Se houver uma segunda onda, não é uma possibilidade, é uma certeza (que o governo vai pagar novamente auxílio emergencial)”.
Na mesma ocasião, chegou a prever que o fim do auxílio, em dezembro, iria contribuir para arrefecer a alta nos preços de alimentos e de materiais de construção. “Na hora que o auxílio emergencial veio, com as pessoas em confinamento, elas gastaram com material de construção, melhoraram suas casas, e foram ao supermercado”, afirmou.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou em outubro que a pressão de alimentos e passagens aéreas fez a inflação de outubro ficar em 0,86%, ante 0,64% no mês anterior. Foi o maior índice para o mês desde 2002. Em 12 meses, o indicador chegou a 3,92%.
Nos eventos virtuais dos quais participa, Guedes vem dizendo que o plano do governo é retirar o auxílio aos poucos até o final do ano. “Estamos retirando os estímulos, de R$ 600 baixa pra R$ 300 e depois aterrissa ali na frente numa versão Renda Brasil ou na própria Bolsa Família “, é sua fala recorrente. Mas já em agosto deste ano, o presidente Jair Bolsonaro disse que estava suspensa a criação do programa Renda Brasil, com o qual pretendia extinguir o Bolsa Família.
Os pagamentos do auxílio começaram em maio. Inicialmente, iriam até julho. Depois foram prorrogados uma primeira vez até setembro e, uma segunda vez, até dezembro. Ao todo, serão pagas nove parcelas até 31 de dezembro, mas apenas aos beneficiários aprovados no início do programa. O custo é estimado em R$ 321,8 bilhões, ou um quarto do R$ 1,2 bilhão destinado ao sistema financeiro logo no início da crise do coronavírus.
Oposição defende auxílio em 2021
Atualmente, 67, 8 milhões de pessoas recebem o auxílio emergencial: 54,2 milhões do grupo do Cadastro Único, trabalhadores informais, desempregados, autônomos, microempreendedores individuais e contribuintes individuais do INSS, somados a 13,6 milhões de famílias que recebem o Bolsa Família.
A oposição defende a prorrogação do benefício em 2021, mas a resistência dos investidores do mercado financeiro é grande. Para eles, a eventual extensão do auxílio em 2021, mesmo que por poucos meses, faria o governo se endividar, elevando o estoque da dívida pública, que já superou 90% do Produto Interno Bruto (PIB).
Segundo apurou o ‘ Estadão’, a Secretaria de Orçamento do Ministério da Economia avalia que a prorrogação não poderia ser feita com crédito extraordinário depois do fim do orçamento de guerra e do estado de calamidade, em 31 de dezembro.
Se o Congresso aprovar a prorrogação por uma via que não seja o crédito extraordinário, os gastos com o pagamento do auxílio vão concorrer com o teto de gastos no espaço orçamentário, cortando ainda mais as despesas discricionárias, já comprimidas pela PEC do teto de gastos aprovada na gestão do usurpador Michel Temer.
Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado, calcula que uma prorrogação por quatro meses de um auxílio de R$ 300, para 25 milhões de pessoas, custaria aos cofres públicos cerca de R$ 15,3 bilhões. Para ele, o auxílio é importante, mas é necessário encontrar formas de financiá-lo.
“O espaço fiscal no teto (de gastos) não existe, é muito pequeno, exíguo para se fazer gastos adicionais. Se o teto for mantido como está, precisaria de compensação em outros gastos. E os gastos discricionários já estão num limite muito baixo”, avaliou.
Na avaliação do Daniel Couri, diretor da IFI, o problema é de interpretação. “Deveria ter uma interpretação menos restritiva para que as despesas com a pandemia em 2021 fiquem fora do teto”, diz Couri, que não vê nem mesmo a necessidade de prorrogação do estado de calamidade. “Em 2021, ainda precisaríamos socorrer as pessoas porque eles não têm emprego e a vida delas não voltou ao normal”.
Para o especialista, tentar achar uma interpretação mais literal do que “pode e não pode” prejudica até mesmo o combate dos efeitos da pandemia. Na avaliação de Couri, o Congresso não vai deixar acabar o auxílio sem ter nada para substituí-lo. Por isso, a IFI avalia com alta a chance de prorrogação.
“O ideal seria contemplar a despesa nova no projeto de Orçamento, que ainda não foi apreciado. A despesa vai precisar acontecer, pois o mercado de trabalho segue muito precário e a ocupação deve cair perto de 9%, neste ano, para recuperar apenas pouco menos de 2% no ano que vem. Um contingente importante de pessoas precisará de algum auxílio”, analisa Felipe Salto.
O consultor do Senado Pedro Fernando Nery alerta para o problema que será virar o ano com uma queda do orçamento de R$ 322 bilhões do auxílio para R$ 35 bilhões do Bolsa Família. “Vamos observar uma alta relevante dos indicadores de pobreza, já que o auxílio evitou que 30 milhões ficassem na pobreza esse ano, e talvez uma alta no desemprego”, prevê. Segundo Nery, a preocupação é como ficam informais e desempregados.
Especialista em contas públicas, a procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo Élida Graziane diz que sem auxílio haverá um cenário de depressão econômica, insegurança alimentar e caos nas políticas de assistência social e segurança pública. “Tendemos a viver algo análogo à revolta chilena contra o receituário de redução do Estado”, alerta Graziane.
Medo do desemprego atinge 67% dos brasileiros
Enquanto o desgoverno Bolsonaro bate cabeça, três em cada dois brasileiros estão pessimistas e acreditam que o desemprego vai aumentar nos próximos tempos. É o que mostra um estudo da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi) divulgado pelo jornal ‘Folha de S Paulo’.
A pesquisa ‘Perspectivas 2020: Expectativa dos Brasileiros com o Cenário Político & Social’ mostra que, em outubro do ano passado, menos pessoas demonstravam pessimismo em relação ao futuro no trabalho. O percentual era de 55% – mais da metade da população.
Dos dois mil entrevistados este ano, apenas 18% dizem estar tranquilos sobre estabilidade no emprego. Outros 59% dizem estar preocupados e 23% já estão desempregados. O estudo mostra ainda o nível de satisfação com a economia. Levando em consideração a soma entre ruim e péssimo, a avaliação sobre a condução da economia pelo governo é negativa. Mais da metade da população não está satisfeita.
A longa estagnação da economia, que ‘patina’ desde o golpe de 2016, e se agravou com a pandemia e a falta de propostas de Bolsonaro e Guedes, é sentida pelos brasileiros que pagam a conta da crise, avalia o secretário de Relações do Trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Ari Aloraldo do Nascimento.
Desde 2016, lembra o secretário, as taxas de desemprego não são inferiores a 10%. Com Bolsonaro, dispararam para mais de 14%, e nada foi feito para reverter a situação. “Desde o início do mandato, as ações do governo Bolsonaro têm se sido insuficientes para alavancar a economia e, em alguns casos, pior que isso: são contrárias ao desenvolvimento”, criticou o dirigente.
“A redução de gastos sociais do governo, o não cumprimento da regra de valorização do salário mínimo, o desmonte da Previdência são fatores que demonstram a política desastrosa que vivemos e que penaliza os trabalhadores. A pandemia somente intensificou o processo”, completa Ari.
E o cenário não deve melhorar. Para o economista da subseção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) da CUT, Clovis Scherer, a taxa de desemprego, que hoje está em 14,4%, tende a aumentar porque muitas pessoas perderam o emprego durante a pandemia e não buscaram nova colocação.
“Esses trabalhadores deixam a condição de ‘inativos’ e passam para a de desempregados. Sem uma recuperação da atividade econômica, o resultado vai ser de muitas pessoas procurando emprego sem demanda de trabalho para absorver essa mão de obra”, diz o economista. Conforme a metodologia do IBGE, se uma pessoa está sem trabalho, mas não procura emprego em dois meses, ela não é computada como desempregada.
Segundo Scherer, o setor serviços, maior empregador, tem vários segmentos que ainda não apresentam sinais de retomada. “Isso pode demorar a acontecer, então a perspectiva não é muito animadora”. O economista do Dieese vê uma grande incerteza sobre uma melhora no mercado de trabalho. “Depende da vacinação, quando ela ocorrerá, e da condução da política econômica a partir de janeiro. Isso porque não se sabe se o governo vai manter medidas de estímulo”.
Uma dessas políticas é justamente o auxílio emergencial. E Scherer afirma que o fim do programa vai obrigar mais trabalhadores, em especial os mais pobres, a saírem do isolamento para buscar uma colocação no mercado.
“É compreensível, portanto, que as pessoas estejam pessimistas tanto em relação ao emprego quanto em relação ao consumo. O teto dos gastos influencia na execução de obras e programas sociais, que resultam em maior movimentação econômica e consequente aumento de demanda e de empregos”, conclui o economista.
Para Ari Aloraldo, o pessimismo dos brasileiros “mostra que as pessoas começam a sentir na pele a visão elitista do Estado, que faz de tudo para os mais ricos enquanto que para os mais pobres são desmontadas as políticas, deixando-os à deriva, lutando para suprir necessidades”.
Da Redação
Matéria publicada originalmente no site Partido dos Trabalhadores replicada neste canal.
Foto: Reprodução.