Ainda defendida por Bolsonaro como “o único tratamento que temos no momento”, a cloroquina teve seu uso definitivamente desautorizado pela OMS no final de semana. Recursos públicos foram investidos no Laboratório do Exército para superprodução do medicamento. Enquanto isso, investimentos em leitos e respiradores e equipamentos de proteção deixaram de ser feitos
Neste final de semana, em Santa Catarina, o presidente Jair Bolsonaro voltou a defender a cloroquina como “único tratamento que temos no momento”. A defesa do remédio sem aval da medicina veio acompanhada de um apelo para aqueles que “ainda resistem ao protocolo oficial”. “Estamos tendo notícias de que, cada vez mais, não só no Brasil, mas no mundo, o tratamento precoce via hidroxicloroquina tem surtido efeito”, disse. Isto é uma mentira.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) desmentiu a “notícia” de Bolsonaro, anunciando o encerramento dos estudos com hidroxicloroquina no tratamento contra o coronavírus. A justificativa da OMS é que não houve comprovação de redução da mortalidade em pacientes. De acordo com a entidade, os testes com a droga não reduziram as taxas de mortalidade de pacientes hospitalizados com o vírus.
Antes, no dia 15 de junho, o FDA (Food and Drug Administration), agência que regulamenta uso de medicamentos nos Estados Unidos, revogou a autorização emergencial que previa uso de cloroquina e hidroxicloroquina de forma oral para tratamento da Covid-19. No dia 25, foi a vez do Hospital Albert Einstein desaconselhar aos seu corpo médico a utilização da cloroquina para tratamento de pacientes infectados pelo novo coronavírus. As decisões científicas encerram o debate sobre o uso do medicamento.
Acovardado, sem plano de combate à pandemia, mas com apoio apenas do Exército, o governo Bolsonaro apostou na aventura de transformar a cloroquina em sua “vacina” redentora. Milhões de reais foram destinados a um produto sem comprovação médica. O laboratório do Exército foi mobilizado para acelerar a produção do medicamento. Dois ministros da Saúde foram afastados por contrariedade com a recomendação “oficial” da cloroquina. Um general foi nomeado como ministro “interino” da Saúde, com a única missão de aprovar o protocolo do medicamento.
Fake news e irresponsabilidade
Em 21 de março, em reunião com o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, Bolsonaro autorizou o uso do laboratório do Exército para produzir a cloroquina. “Decidimos que os laboratórios químicos e farmacêuticos do Exército devem ampliar imediatamente a produção desse medicamento”, afirmou o presidente em um vídeo publicado nas redes sociais. Desde então, o laboratório do Exército já gastou mais de R$ 1,5 milhão para produção de cloroquina, agora desautorizada pelas autoridades sanitárias. O investimento temerário multiplicou em 100 vezes a produção do medicamento.
A ampliação da produção, sem aval da medicina, e sem pareceres técnicos, é questionada pelo Tribunal de Contas da União, que investiga suspeita de superfaturamento nas compras do Exército. Estão sob investigação um total de 18 acordos para compra de cloroquina em pó e outros insumos de fabricação, como papel alumínio e material de impressão, ao custo total de R$ 1.587.549,81. Desse total,segundo dados do portal de compras do governo federal, em torno de de 95% foram gastos com 1.414 kg de cloroquina em pó.
“A produção massiva de produto que, ao final, não será útil para os propósitos que motivaram esse ato é resultado direto do voluntarismo da autoridade máxima do país, sem base científica ou médica. Ao agir dessa forma, o presidente da República deixa de garantir de forma adequada o direito da sociedade à saúde”, disse o subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado, autor da representação. Para ele, há “evidente ineficácia administrativa” que resultou “num desperdício de recursos públicos que deve ser devidamente apurado e os responsáveis penalizados na forma da lei”.
A irresponsabilidade do presidente, do ministro “interino” da Saúde e do Exército elevou a produção de cloroquina pelo laboratório do Exército de 265 mil comprimidos em três anos para 2,25 milhões nos últimos três meses. A esse volume, ainda se somam mais 2 milhões de comprimidos doados pelos Estados Unidos, que promoveu a “desova” do remédio no Brasil depois que as autoridades do país desautorizam o seu uso. Antes da pandemia, o medicamento produzido pelo laboratório do Exército era usado no combate à malária, com distribuição do Exército, em especial na Região Norte.
“Nós nos preocupamos com a utilização de recursos públicos mesmo após os vários estudos científicos que não recomendam o uso da cloroquina para o Covid-19. Essa medicação tem risco de matar pessoas”, afirmou Débora Melecchi, coordenadora da Comissão Intersetorial de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica do Conselho Nacional de Saúde, ao Repórter Brasil. “O recurso público tem que estar voltado aos laboratórios públicos para produzirmos realmente o que é necessário para a população, como EPIs para os trabalhadores de saúde, que estão ficando doentes e sendo afastados do trabalho, ou morrendo em alguns casos”, reafirmou.
Da Redação com Repórter Brasil e agências
Matéria publicada originalmente no site Partido dos Trabalhadores e replicada neste canal.