Sete em cada dez estão sobrevivendo com um salário mínimo. Antes da crise do coronavírus e do fracasso de Bolsonaro e Guedes, oito em cada dez ganhavam acima desse valor. Crédito continua inacessível para a maioria. Uma em cada sete micro e pequenas empresas consegue empréstimo
Os sintomas do fracasso neoliberal em lidar com os efeitos da pandemia do coronavírus na economia são cada vez mais evidentes. A cada dia os indicadores se agravam, sem resposta efetiva do ministro da Economia, Paulo Guedes, para o insucesso de políticas públicas anticíclicas anunciadas com estardalhaço e depois convenientemente esquecidas.
No caso dos microempreendedores brasileiros, 90% deles sofreram com a queda dos rendimentos, em variados graus, desde o início da crise. Se antes, oito em cada dez profissionais ganhavam acima de um salário mínimo e apenas um tinha renda inferior a esse valor, agora, são sete em dez que passaram a ganhar menos de US$ 200 por mês, o equivalente hoje a R$ 1.088.
O levantamento feito pela fintech Neon e pelo fundo de venture capital Flourish, com apoio da empresa de pesquisa de impacto 60 Decibels, e publicado nesta segunda (29) pelo jornal ‘O Estado de São Paulo’, foi realizado em maio com 1,6 mil microempreendedores individuais (MEIs). Se antes da pandemia mais da metade desses empreendedores ganhavam acima de US$ 400 (R$ 2,176) por mês, agora apenas 10% estão nessa faixa.
Criada em 2008 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a categoria de Microempreendedor Individual formalizou as atividades de mais de dez milhões de profissionais que comandavam micro negócios por conta própria. Empoderada pela formalização e inserido no setor de serviços, essa categoria cresceu e se enrobusteceu. Mas agora sofre com a queda de renda e também com a falta de apoio oficial.
“A preocupação é que esses profissionais, com as micro e pequenas empresas, representam entre 30% e 40% do PIB brasileiro”, afirmou ao ‘Estadão’ o diretor da área de pessoa jurídica da Neon, Marcelo Moraes, um dos responsáveis pela pesquisa. Segundo ele, a maioria não se sente amparada pelo governo Bolsonaro-Guedes e entende que as propostas estão distantes da realidade. “O sentimento de desamparo é grande: 42% deles não têm esperança de sair da crise”, espanta-se o executivo.
David Kállas, professor do Instituto Ensino e Pesquisa (Insper), afirma que os MEIs são a categoria mais vulnerável porque não têm reserva para enfrentar a falta de renda por muito tempo e também não conseguem obter linhas de crédito. “Esses números revelam uma tragédia. Essa é a parte da população que mais vai sofrer com os reflexos da crise do coronavírus”.
Na avaliação do presidente da Trevisan, VanDick Silveira, outro aspecto dificulta ainda mais a situação desse grupo de trabalhadores: “Apesar de a inflação estar controlada, o índice de preços não recuou dez anos como a renda. Ou seja, é uma perda em dobro. Isso tem impacto direto no consumo”.
Para conviver com a queda na renda, metade dos entrevistados teve de usar a poupança ou reduzir despesas para se adequar à nova realidade. Além disso, 39% pegaram dinheiro emprestado para honrar compromissos (em muitos casos, o cheque especial), 18% penhoraram ou venderam algum ativo durante a pandemia e mais da metade deixou de jantar para fazer apenas um lanche.
Portas dos bancos estão fechadas para os micros
O presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Carlos Melles, afirma que neste momento os microempreendedores precisam de mais acesso ao crédito para aliviar a pressão sobre o fluxo de caixa.
Mas um levantamento da própria instituição com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que, dos 6,7 milhões de empreendedores de pequeno porte que tentaram obter crédito entre a primeira semana de abril (dia 7) e o início de junho (dia 2), apenas um milhão efetivamente conseguiu. A pesquisa também aponta que continua elevado o número de empresários que tiveram o crédito negado ou ainda aguardam resposta das instituições financeiras.
Segundo os entrevistados, o CPF com restrições foi a principal razão (19%) apontada pelos bancos para a negativa do crédito. A negativação no CADIN/Serasa também foi citada por 11% dos entrevistados para a negação dos empréstimos, este foi o quarto item mais citado. Outros 11% dos empresários ouvidos afirmaram que a falta de garantias ou avalistas teria sido o principal obstáculo.
Além de confirmar a dificuldade no acesso a linhas de crédito, a pesquisa mostrou também um crescimento do número de empresas com dívidas/empréstimos em atraso (a variação foi de 33% para 41%) entre a primeira semana de maio (dia 5) e o início de junho (dia 2).
“Nos países desenvolvidos, existem políticas de crédito a juros zero porque os pequenos negócios são essenciais para o funcionamento do sistema econômico. No Brasil, o crédito continua caro e burocrático. Em cada sete pequenos negócios que buscam empréstimo em banco, só um consegue”, lamenta Melles.
O presidente do Sebrae lembra que as micro e pequenas empresas são 99% das empresas do país e respondem pela maior parte dos empregos. “Em tempos de pandemia, a prioridade deveria ser manter as empresas vivas. Se não socorrermos os empreendedores que precisam de crédito, não vai haver empresa para voltar a produzir e não sairemos dessa crise tão cedo”, alerta o dirigente.
Outra pesquisa, da Associação Nacional dos Restaurantes (ANR) em parceria com a Galunion, revela que 35% dos bares e restaurantes com mais de uma unidade no país já fecharam lojas permanentemente. Além disso, 15% dos estabelecimentos não serão capazes de manter seus negócios funcionando após a crise.
Desde o início da pandemia e até 17 de junho, o setor já demitiu 1,3 milhão de trabalhadores em todo o Brasil, dos quais 600 mil foram apenas em São Paulo. Segundo dados da ANR, 76% das empresas que buscaram novas linhas de crédito para financiar o negócio tiveram o pedido negado.
Abandonados pela política para o andar de cima praticada pela dupla Bolsonaro e Guedes, os MEIs e micro e pequenos empresários se viram como podem e arriscam a própria vida, em meio à pandemia, para tentar manter vivo o negócio. Passaram a usar redes sociais, aplicativos ou internet para realizar vendas ou simplesmente abriram as portas, desrespeitando os critérios de isolamento social. A expectativa de retorno à normalidade, na média desses empreendedores, passou de março de 2021 para julho de 2021.
E para completar o diagnóstico de falência múltipla da política neoliberal de Guedes, nesta segunda o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) confirmou o já sabido: o Brasil já havia entrado em recessão ainda no primeiro trimestre deste ano. A informação, divulgada pelo Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codade) da instituição, aponta que o Produto Interno Bruto caiu 1,5% no período, em comparação com os três meses anteriores.
Os efeitos da pandemia sobre a atividade econômica se revelarão no segundo trimestre de 2020, que deve mostrar queda de quase 10%, segundo projeções de mercado. Será o maior tombo na economia brasileira em 40 anos.
Da Redação
Matéria publicada no site: Partido dos Trabalhadores e replicada neste canal.