Alta generalizada de preços atinge também as matérias-primas, e vai além dos bens não duráveis (como alimentos), contaminando bens duráveis e semiduráveis. Reajustes dos preços administrados pelo governo agravará ainda mais a situação no próximo ano. Mais pobres continuam sofrendo mais com a carestia
A falta de planejamento e de comando do desgoverno Bolsonaro na economia está fazendo o Brasil regredir aos tempos de hiperinflação, nos anos 1980. Como uma pandemia, a alta generalizada de preços que se vê diariamente nos supermercados chegou aos insumos, que servem de base para as cadeias produtivas, como era previsto pelos economistas.
Andre Braz, coordenador de índices de preço do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre- FGV), apresentou nesta segunda (7) levantamento apontando que o preço das matérias-primas brutas, como soja, milho, carnes e minério de ferro, já acumula elevação de 68% nos 12 meses encerrados em outubro. Maior alta desde o início do Plano Real, ela se alastra por vários setores da economia, pressionando ainda mais os preços ao consumidor.
Entre os motivos da escalada estão a desvalorização cambial e o rápido aquecimento da demanda, após a paralisação de diversas cadeias produtivas devido à pandemia. Segundo o estudo, a inflação ao produtor já se espalhou por todo o segmento de bens não duráveis (como alimentos), semiduráveis (vestuário) e duráveis (eletrodomésticos). O índice geral de preços, porém, ainda é contido pelos preços dos serviços, setor que mais sofreu com a crise atual.
“A inflação, que antes estava muito contínua em bens não duráveis, se espalhou. Agora contamina duráveis e semiduráveis. E não deve demorar deve começar a aparecer alguma coisa em serviços, mas aí vai depender do bom andamento da pandemia”, avaliou o economista ao jornal ‘Folha de São Paulo’.
Os alimentos, por exemplo, acumulam alta de 25% no indicador de preços no atacado, que é o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) da FGV. Metade desse aumento já bateu no Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da instituição. O arroz subiu quase 120% no atacado e 62% no varejo, prenunciando o risco de continuidade desses repasses.
Milton Rego, presidente-executivo da Associação Brasileira do Alumínio (Abal), afirma que o descolamento entre preços no atacado e varejo é explicado pela paralisação de várias indústrias no período mais crítico da pandemia, que utilizaram estoque adquiridos a preços mais baixos. As novas aquisições, no entanto, estão sendo feitas em um cenário de preços bem mais elevados. “Mais cedo ou mais tarde, esses valores chegam até a ponta, e não chegaram antes porque a gente estava em uma grande recessão”, diz.
Braz diz que o “espalhamento da inflação” tem se ampliado e que os repasses tendem a ganhar força nas próximas semanas. “É impossível para a cadeia produtiva reter por muito tempo aumentos dessa magnitude, ainda mais quando ela não tem um horizonte tão transparente de que essas pressões vão ceder no curto prazo”, afirma.
O economista estima que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicador oficial da inflação, deve fechar 2020 em 4,17%, e que a inflação vai continuar a subir até maio do próximo ano, quando deve ficar acima de 6% em 12 meses. Depois cairia, para fechar o ano entre 3,55% e 4,5%. Mas isso dependeria de alguns fatores.
“Primeiro, precisa de uma estabilidade maior da taxa de câmbio, o que a gente só vai conquistar tendo um cenário fiscal mais claro. Ainda que a gente tenha uma valorização do real nos próximos meses, se o preço dessas commodities seguir avançando lá fora, como tudo indica, esses impactos ao produto vão continuar”, afirma.
Para Braz, o principal risco para uma piora da inflação no ano que vem é se houver um descontrole maior das contas públicas. “Temos um déficit público que já está praticamente do tamanho do PIB e isso representa um risco de o país não ter recursos para arcar com as suas contas, o que pode criar um desequilíbrio na inflação, tanto por desvalorização cambial, quanto por emissão de moeda, caso isso aconteça”, conclui.
Preços controlados pelo governo serão reajustados em 2021
Na ‘ BBC News Brasil’, analistas afirmam que o reajuste dos preços controlados pelo governo, congelados na maior parte deste ano, pressionará ainda mais a inflação. O movimento começou já na última quinta (3), quando a Petrobras anunciou mais um reajuste de 5% do botijão de gás às distribuidoras. No ano, o combustível de maior peso na renda das famílias mais pobres acumula alta de 21,9% no atacado.
Também nesse fim de ano, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) antecipou para dezembro a reativação da bandeira vermelha nas contas de luz, gerando cobrança adicional de R$ 6,24 para cada 100 KWh (quilowatt-hora) consumidos. Antes disso, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) determinou que o reajustes de planos de saúde adiados em 2020 sejam aplicados a partir de janeiro de 2021.
Para janeiro são esperados ainda os reajustes do transporte público e as correções anuais das contas de luz, que devem tornar a energia ainda mais cara, para além do acionamento da bandeira tarifária. A gasolina e o diesel também continuarão subindo no próximo ano.
“A natureza dos preços monitorados é que eles dependem de decisões governamentais. Esse ano, por conta da pandemia, existiram decisões espraiadas por todo o Brasil de atrasar reajustes, reduzi-los, mitigá-los ou até mesmo anulá-los”, afirmou Fabio Romão, analista de inflação da LCA Consultores.
“Isso foi feito para preservar principalmente a renda das famílias menos abastadas”, explica o economista. Para ele, “a bondade de hoje pode ser a maldade de amanhã”, pois será preciso reajustar esses preços e talvez até compensar o alívio gerado em 2020.
Maria Andreia Lameiras, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), lembra que a inflação dos mais pobres este ano está bem maior do que a geral devido às altas dos preços dos alimentos. Segundo o Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda, a inflação da população de renda muito baixa chegou a 5,33% no acumulado de 12 meses até outubro, comparada à alta de 3,92% do IPCA no mesmo período.
Na sexta (4), o Índice de Preços ao Consumidor – Classe 1 (IPC-C1) da FGV, que mede a inflação para famílias com renda mensal entre 1 e 2,5 salários mínimos, mostrou quadro semelhante, com uma alta acumulada em 12 meses de 5,82% até novembro. Ela foi puxada por avanço de 17,06% dos alimentos no período. Outro peso importante no orçamento dos mais pobres, o aluguel sofre pressão do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) em alta de 24,52% em 12 meses até novembro.
A economista destaca que um problema dos itens que vão pressionar a inflação no próximo ano é que eles dificilmente podem ser substituídos. “No caso do gás de botijão, na pior das hipóteses, as pessoas vão para fogareiro nas comunidades mais pobres. Já na energia elétrica e no transporte público, não existe essa substituição. Assim como com o arroz, feijão e leite, com a energia elétrica, a pessoa pode até diminuir um pouco o consumo, mas precisa de um mínimo para garantir sua subsistência.”
Esse aumento de itens cujo consumo é pouco elástico se dará ainda justo no momento do fim do auxílio emergencial. “O que esperamos é que, com a melhora da atividade econômica em 2021, essas pessoas consigam voltar ao mercado de trabalho, recuperando sua renda”, diz Lameiras. “Mas isso está muito condicionado ao que vai acontecer com a economia brasileira em 2021.”
Outro fator de incerteza, destaca a pesquisadora, é como a pandemia vai evoluir nos próximos meses. “Geralmente, as famílias mais pobres têm baixa qualificação e estão muito ligadas aos setores de comércio e serviços. E são esses setores os mais penalizados quando há um quadro de pandemia se agravando.”
Mercado vê inflação acima da meta do Banco Central
A expectativa para a inflação oficial do país neste ano subiu de 3,54% para 4,21%, na 17ª correção semanal para cima do IPCA. A projeção subiu após a adoção da bandeira tarifária vermelha nível 2 em dezembro pela Aneel, e furou a meta de inflação fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que é de 4% em 2020.
Trata-se do maior percentual estimado para o IPCA neste ano. A expectativa em 6 de janeiro era de 4,13%. Os números são do Boletim Focus do Banco Central, divulgado nesta segunda (7). O documento reúne a estimativa de mais de 100 instituições do mercado financeiro para os principais indicadores econômicos.
Como consequência da recessão econômica e dos demais impactos da pandemia na economia, a projeção do mercado financeiro para a inflação havia despencado em março. Em seu menor patamar, em junho, a expectativa chegou a ser de 1,52%.
Com leve variação, as projeções do mercado financeiro para o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) seguem no patamar de queda de cerca de 4%. Nesta semana, a previsão passou para 4,40%, ante 4,50% na semana passada.
Apesar de terem melhorado suas expectativas, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), ainda veem retração de 5,4% e 5,8% na economia brasileira. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê que a recessão da economia brasileira seja de 6,5%.
Da Redação
Matéria publicada originalmente no site Partido dos Trabalhadores e replicada neste canal.