CPI: Prevent lucrou ao usar povo para experimento macabro com ‘kit covid’

Operadora ligada ao gabinete paralelo pressionou médicos a prescreverem drogas inúteis contra a Covid-19 para usuários. “O governo viu a Prevent como instrumento político”, denunciou Humberto Costa (PE)

22 set 2021, 20:13 Tempo de leitura: 5 minutos, 41 segundos
CPI: Prevent lucrou ao usar povo para experimento macabro com ‘kit covid’

A CPI voltou ao cenário de horror provocado pelo governo Bolsonaro, em janeiro deste ano, quando Manaus (AM) foi palco de um experimento macabro com a população ameaçada pelo vírus da Covid-19. Naquele mês, enquanto dezenas de pacientes agonizavam nos hospitais à espera da oxigênio, o gabinete paralelo de Jair Bolsonaro propagava drogas ineficazes contra a doença, o “kit covid”. Funcionando como de base de sustentação da força-tarefa negacionista, a operadora de saúde Prevent Senior é investigada pela comissão por suspeita de pressionar seus médicos a receitarem as drogas do chamado tratamento precoce, como a hidroxicloroquina. Pacientes da operadora também receberam os kits com ou sem diagnóstico da doença. Nesta quarta-feira (22), o diretor da operadora Pedro Batista foi ouvido pelos senadores, após pedido de convocação feito pelo senador Humberto Costa (PT-PE).

Por uma triste coincidência, o diretor, que é tenente médico da reserva do Exército, chegou a atuar em Manaus e Tabatinga, também no estado do Amazonas, há cerca de uma década. Na CPI, o militar também foi amparado por um habeas corpus concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para não ter de responder perguntas que pudessem incriminá-lo.

Além da utilização dos próprios pacientes como cobaias no experimento com as drogas, a operadora também é acusada de omitir a Covid-19 e seus efeitos como causa da morte de usuários. A imprensa noticiou, por exemplo, que a Prevent escondeu que o médico negacionista Anthony Wong e a mãe do empresário Luciano Hang, também bolsonarista, morreram por causa da doença. Os dois foram medicados com o “kit covid”.

Ligado a figuras proeminentes do gabinete paralelo, como a médica Nise Yamaguchi, Batista negou a distribuição dos kits, bem como a existência de testes com os medicamentos. Ele disse que houve fraude de um estudo “observacional”, a partir do acesso de dados sigilosos de pacientes armazenados em planilha interna e vazados por médicos “criminosos”. Os dados integram um dossiê sobre a operadora enviado à CPI.

“[Eles] manipularam dados de uma planilha interna, que era uma planilha de acompanhamento de pacientes, para tentar comprometer a operadora. Esses profissionais então, já desligados, passaram a acessar e editar o referido arquivo, culminando no compartilhamento da planilha com a advogada B.M., em 28 de agosto”, justificou Batista.

Ameaças

A CPI contou uma história diferente. O relator Renan Calheiros (MDB-AL) exibiu um diálogo onde o diretor faz ameaças a um médico contrário às orientações criminosas da operadora. O profissional chegou a registrar boletim de ocorrência contra a o diretor da Prevent.

À comissão, Batista defendeu a autonomia de médicos, que indicam medicamentos conforme “convicção” profissional. Ele citou um parecer da Agência Nacional de Saúde Complementar para atestar a idoneidade da operadora.

“Ficou evidenciada a utilização de termo de consentimento livre e esclarecido, bem como a autonomia dos profissionais médicos, que indicavam o tratamento conforme sua convicção e mediante concordância expressa dos beneficiários, em estrita observância aos preceitos do Conselho Federal de Medicina”, diz trecho do documento.

Influência de Bolsonaro

Batista admitiu, no entanto, que a atuação de Bolsonaro influenciou no comportamento de usuários, que passaram a pedir à operadora prescrição das drogas. “Quem prescreve qualquer medicação é o próprio médico e, naquele momento, houve, até devido a pronunciamentos não só da Presidência, mas de outras pessoas influentes também, uma série de pacientes exigindo a prescrição da medicação”, afirmou Batista.

O senador Humberto Costa chamou a atenção para um aumento do faturamento e dos lucros da operadora entre 2019 e 2020. “Em 2919, teve um faturamento de R$ 3,6 bi e lucro liquido de R$ 432 milhões. Em 2020, faturou R$ 4,3 bilhões e o lucro foi para  R$ 496 milhões, apontou o senador.

Costa afirmou que a atuação da Prevent foi fundamental para a disseminação das teses negacionistas de Bolsonaro sobre cloroquina e outras drogas do kit. “O governo viu o plano [Prevent] como instrumento político”, denunciou Costa. “Para isso, precisava provar que esse tratamento que ele preconizava era bom”.

Pesquisa ilegal

“Infelizmente, o dono do seu hospital aceitou ser o instrumento para tentar dar legitimidade a essa ação criminosa. Estamos vendo a comprovação de que não só o gabinete paralelo existia, como era operante”, concluiu o petista.

Costa destacou ainda que a pesquisa realizada pela Prevent, feita para estimular o uso do “kit covid”, não tem valor legal. “Pesquisa observacional precisa de autorização do Conep [Comissão Nacional de Ética em Pesquisa], que vocês não tinham”, apontou.

“Por isso a Prevent foi acionada pelo Ministério Público Federal, por uma pesquisa não autorizada. Com todo respeito, a pesquisa que Vossa Senhoria apresentou aqui não serve para nada”, sustentou Costa.

Perseguição

Humberto Costa exibiu ainda reportagens da imprensa noticiando que a empresa obrigava médicos a trabalharem com Covid-19 a receitar drogas que poderiam provocar, por exemplo, uma hepatite fulminante. “Essa conversa de que quem prescreve é o médico é conversa para boi dormir. Ninguém pode prescrever veneno, um medicamento que não tem utilidade.”

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) revelou que recebeu informações de que a operadora vasculhou redes sociais de funcionários para demitir simpatizantes de partidos de esquerda e seguidores de redes críticas ao governo Bolsonaro. Ele também relatou casos de usuários que confirmaram o envio de “kits covid” pela operadora de saúde. “Eles definiram o “kit covid” como a forma de tratar todo e qualquer paciente com Covid-19”, disse.

Crimes

Carvalho considerou ainda como gravíssima a ocultação da causa da morte de pacientes vitimados pela doença, um dos vários crimes previstos no Código Penal. Além disso, ele apontou o crime de homicídio doloso, propagação de epidemia, que resulta em morte, infração de medida sanitária preventiva, no caso de médicos impedidos de usar máscara para atender o objetivo de disseminação do vírus, entre outros.

“Vou pedir ao relator que inclua a lista de atos delituosos, tanto em relação ao Código de Ética Médica quanto ao Código de Processo Civil”, anunciou o senador.

“Eu passei muito mal ao ouvir todas as histórias que ouvi dessa empresa, que trabalha com pacotes. A pessoa não pode passar mais de dez dias na terapia intensiva, porque aumenta o custo”, espantou-se. “Isso significa a morte, e isso é um crime contra a humanidade”.

Da Redação“KIT-COVID”CPI DA COVID