Estudo da Aneel constata que reajustes e cobranças adicionais ocorridos este ano não cobrem custo de termelétricas. Energia é uma das principais causas da inflação galopante
Como se não bastasse a alta média de 30,3% em 12 meses até outubro, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já “contratou” um aumento de mais de 20% nas contas de energia elétrica residencial em 2021, turbinando a inflação na largada de 2022. É o que consta em um documento interno da agência divulgado na tarde desta sexta-feira (12) pelo Estado de São Paulo, anunciando o novo assalto ao bolso do povo.
“Nossas estimativas apontam para um cenário de impacto tarifário médio em 2022 da ordem de 21,04%, quando avaliado todo o universo de custos das distribuidoras e incluídos esses impactos das medidas para enfrentamento da crise hídrica”, escreveu Claudio Elias Carvalho, superintendente adjunto de gestão tarifária da Aneel, em ofício enviado à assessoria da diretoria do órgão regulador em 5 de novembro.
A má gestão do volume dos reservatórios das usinas hidrelétricas ao longo de quase três anos de desgoverno Bolsonaro culminou no acionamento das usinas termelétricas neste ano. Elas são a fonte de energia mais cara do sistema, pois utilizam combustíveis como carvão, óleo, óleo diesel e gás natural para funcionar.
O sistema de bandeira tarifária aplica uma cobrança adicional às contas de luz sempre que aumenta o custo da produção da energia. Em junho, a Aneel passou a praticar a bandeira vermelha patamar 2, até então a mais cara, que representava cobrança adicional de R$ 6,24 a cada 100 kWh (quilowatt-hora) consumidos.
Em julho, a tarifa vermelha patamar 2 foi reajustada em 52% e a cobrança subiu para R$ 9,49. Na segunda quinzena de setembro, entrou em vigor a bandeira “escassez hídrica”, que passou a acrescentar R$ 14,20, ou 49,6% a mais, na conta de luz para cada 100 kWh consumidos, e deve vigorar até abril de 2022.
Na ocasião, a coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) denunciou que a nova bandeira iria custar R$ 3,45 bilhões por mês a mais no bolso dos consumidores. Em abril do ano que vem, ao final dos oito meses de vigência da tarifa, a população teria desembolsado R$ 27,6 bilhões.
“A consequência será um enorme gasto a mais em cada conta de luz por parte dos trabalhadores brasileiros”, alertou a diretoria do MAB. “Este gigantesco volume de recursos será destinado a cobrir as receitas econômicas das próprias empresas do setor elétrico e até subsidiar grandes consumidores de energia elétrica”, prosseguiu a nota.
“O povo está sendo taxado nas contas de luz para que os donos da energia e as grandes indústrias possam seguir lucrando alto em plena crise elétrica, que se soma à crise na economia nacional”, concluiu o documento. Com os novos aumentos, afirmou a entidade, o Brasil assumiria o ranking de energia mais cara do planeta.
Agora, a área técnica da Aneel estima que o déficit de arrecadação do sistema de bandeiras tarifárias chegará a R$ 13 bilhões até abril de 2022, “já descontada a previsão de arrecadação da receita da bandeira tarifária patamar escassez hídrica no período”. “Esse déficit de custo frente à cobertura tarifária das distribuidoras implica em um impacto tarifário médio de aproximadamente 6,37%”, apontam os técnicos.
Ao déficit na arrecadação soma-se a compra de energia de reserva, fechada em outubro num leilão. A compra “simplificada” custará R$ 9 bilhões em 2022, o que equivale a um impacto tarifário médio de 4,49%, conforme a Aneel. Os reajustes são puxados ainda pelo aumento de importação de energia, via contratos com Argentina e Uruguai.
Além disso, o Ministério de Minas e Energia (MME) vai apoiar um novo empréstimo às distribuidoras para cobrir os custos extras com a geração de energia em 2021. O objetivo é evitar que mais esse custo extra seja repassado para os consumidores em 2022. Mas a despesa será paga, com juros, ao longo de seis a oito anos, por meio de mais um encargo aplicado à conta de luz – depois das eleições.
Peso de energia e combustíveis é de mais de 30% do IPCA
A somatória de aumentos dos preços de luz, combustíveis e gás de cozinha tem impacto direto sobre a inflação, com reflexos disseminados por todo tipo de consumo. Com alta de 30,3% em 12 meses até outubro, a energia elétrica residencial é um dos itens de maior pressão no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Da inflação acumulada no período, de 10,67%, os reajustes na conta de luz responderam por 1,3 ponto percentual. Luz, gasolina e gás de botijão explicam mais de 30% do IPCA dos últimos 12 meses.
Levantamento feito a partir de dados do IPCA por Fábio Romão, da LCA Consultores, para o Valor Econômico, aponta que o encarecimento da energia varia entre 18,2% em 12 meses até outubro, na região metropolitana de Campo Grande, e 39,1% em Vitória.
Na média brasileira, a taxa acumulada na conta de luz em outubro, de 30,3% em 12 meses, representa o maior nível do ano. O custo da energia já havia rompido os dois dígitos, no acumulado em 12 meses, em maio, quando atingiu 11,6%.
Na ocasião, Edvaldo Santana, diretor da Aneel entre 2005 e 2013, disse em entrevista à BBC Brasil que o desgoverno Bolsonaro pretendia impor um “racionamento via preço”, ainda que negasse o uso do termo “racionamento”.
“Aumentar a tarifa um pouco, para tentar reduzir o consumo, é um incentivo à racionalização. Quando esse aumento da tarifa é muito grande, isso já não é mais uma racionalização, é um racionamento via preço”, defendeu Santana. “É um aumento exagerado de preços, propositalmente, para reduzir o consumo.”
Romão, o especialista em inflação da LCA, lembra que o aumento das contas de luz é uma política “regressiva” – pesa mais para a população mais pobre. Segundo ele, o peso de 4,2% na cesta de consumo do IPCA – que mede a inflação para famílias com renda de até 40 salários mínimos – sobe para 5,1% na cesta das famílias com renda de até 5 salários, com inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
Governos do golpe deram um golpe nas contas de luz
Para Gilberto Cervinski, da coordenação nacional do MAB, o caos no setor elétrico foi desencadeado quando o desgoverno Bolsonaro permitiu que as empresas do setor operassem as usinas ao ponto de esvaziar completamente os reservatórios. Essa “crise hídrica” criou o ambiente de falta de energia que justificou a explosão nas tarifas. E o desgoverno Bolsonaro culpou a falta de chuvas, uma “falsidade completa”, afirmou.
Em outubro, auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) revelou que desde 2017, sob o usurpador Michel Temer, os consumidores foram roubados nas contas de luz. O estudo mostrou que supostos “erros” do governo em projeções de produção entre 2017 e 2020, já sob Bolsonaro, causaram um impacto médio de 5% a mais no valor das contas. Com isso, os consumidores pagaram indevidamente R$ 5,2 bilhões a mais.
A auditoria analisou como a falta de chuvas impacta o setor, e a CGU conclui que boa parte dos custos decorre de fatores “sem qualquer relação com o índice de precipitações”, ao contrário do que alegam o setor e o desgoverno Bolsonaro.
O levantamento mostra que R$ 2,22 bilhões bancaram custos com “frustração de energia” hidrelétrica, porque a capacidade usada como referência está “desatualizada” e as usinas já não produzem o que dizem. Coube então ao cidadão bancar a diferença.
Outro “erro de cálculo” diz respeito à programação planejada para a usina de Belo Monte, em sua fase de motorização. A produção esperada não se confirmou, e foi preciso comprar energia de outras usinas, ao custo de mais R$ 2,3 bilhões. Mais R$ 693 milhões foram pagos devido ao atraso em linhas de transmissão, o que fez com que usinas da Amazônia liberassem água sem produzir energia, por não ter como distribuir.
“É necessária a rediscussão da alocação desses custos, especialmente aqueles relacionados a questões alheias ao risco hidrológico, de modo que não sejam os consumidores de energia elétrica os únicos a suportarem os efeitos financeiros”, determinou a auditoria da CGU.
Da Redação
Matéria publicada originalmente no site Partido dos Trabalhadores e replicada neste canal.