A quatro meses das eleições, medidas atropelam a responsabilidade fiscal e atentam contra a soberania. “Guedes quer vender até tapetes dos palácios”, ironiza Lula.
Acuado entre a perda de eleitores cada vez mais empobrecidos e a necessidade de reafirmar compromissos assumidos com o mercado financeiro já em 2018, Jair Bolsonaro tenta “passar nos cobres” o que puder do patrimônio público enquanto atropela a responsabilidade fiscal. Nos quatro meses que lhe restam até as eleições, o eterno candidato quer fazer o que não fez em três anos e meio de desgoverno.
O mais novo balão de ensaio bolsonarista no Congresso Nacional é a proposta de edição de um novo decreto de calamidade pública como o de março de 2020, no início da pandemia. O desgoverno Bolsonaro suspendeu a situação excepcional no fim daquele ano e não o restabeleceu em 2021, quando a crise sanitária atingia o ápice puxada pelo negacionismo antivacina, a economia mergulhava no abismo e a fome recrudescia.
Agora, Bolsonaro “tira da manga” a calamidade pública para afastar marcos legais que o impedem de anunciar medidas eleitoreiras dirigidas a caminhoneiros, entregadores e motoristas de aplicativo atingidos pela dolarização dos combustíveis. Comprometido com o mercado financeiro, do qual é cada vez mais dependente, e incapaz de exercer a autoridade presidencial para impor novo rumo à política de preços da Petrobras, ele espera com a medida agradar parcelas do eleitorado e operadores do mercado.
LEIA MAIS: Lula: “Privatização não resolve o problema, mas sim crescimento econômico”
“Bolsonaro está emparedado entre os interesses dos eleitores que precisam de combustível mais barato e os interesses dos acionistas da Petrobrás que, para maximizar os ganhos, desejam combustível mais caro”, diz William Nozaki em entrevista à Fórum.
“A intenção agora é passar um recado favorável ao mercado financeiro enquanto tenta diminuir a velocidade dos reajustes para não perder mais eleitores”, prosseguiu o coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (Ineep).
Com a medida, Bolsonaro também satisfaria seus apoiadores no parlamento. Como o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que na segunda-feira (30) disse que iria “apertar o governo para que ele decida por fazer ou não subsídio no combustível”, em entrevista ao Jornal da Record.
“Recurso o Brasil tem demais, a Petrobrás tem e o Brasil tem. O problema é quanto isso cabe no teto de gastos ou não. Daí esses rumores do botão da calamidade que o Guedes tem para apertar”, comentou Lira, chamando a responsabilidade do ministro-banqueiro da Economia. Este, no entanto, vem apertando outro botão – o da entrega rápida do que for possível despachar até o fim do ano.
“Posto Ipiranga” quer fazer entrega rápida
Desde que Guedes emplacou em maio o responsável por sua catastrófica política econômica, Adolfo Sachsida, no Ministério das Minas e Energia (MMA), ele acelera o que acabará conhecido como a “privataria 2.0”. Duas semanas após a posse de Sachsida, que chegou anunciando o primeiro ato como ministro – avançar com a privatização da Petrobras e da Pré-Sal Petróleo – o ex-chefe surgiu em Davos reafirmando a promessa.
“Vamos privatizar a Petrobrás, fazer vários acordos comerciais. Vamos fazer bem mais do que temos feito até agora”, jurou Guedes em encontro no Fórum Econômico Mundial. Ao lamentar porque a pandemia “acabou impedindo” que a “pauta das reformas” avançasse no Congresso, o ministro prometeu mudanças a partir de eventual reeleição de Bolsonaro e de parlamentares alinhados ao seu perfil.
LEIA MAIS: Ao tentar vender Eletrobrás e Petrobrás, Bolsonaro joga país na contramão mundial
Como gesto de boa vontade, Guedes criou há um mês uma Secretaria de Desestatização e Desinvestimento (SDD), que trabalha para entregar na bacia das almas até cinco estatais: Eletrobras, porto de Santos, Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) de Belo Horizonte e do Recife e Ceasaminas. O “posto ipiranga” também pressiona o TCU para avalizar a venda do Serpro à iniciativa privada até o último trimestre deste ano.
Nesta quarta-feira (1º), o Tribunal de Contas da União deu aval para a sétima rodada de concessões da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Um dos eventos mais esperados do ano pelos “players” do setor de infraestrutura, está agendado para agosto o leilão de 15 aeroportos. Entre eles o aeroporto de Congonhas (SP), um dos mais visados.
Na terça-feira (31), enquanto a Câmara dos Deputados aprovava a Medida Provisória (MP) 1095/21, que prorroga incentivos do Regime Especial da Indústria Química (Reiq), a Petrobras anunciava a retomada do processo de venda da fábrica de fertilizantes UFN III, em Três Lagoas (MS). As obras haviam avançado 81% quando foram paralisadas pela lava jato. A Unigel, que arrendou da Petrobrás as fafens da Bahia e de Sergipe, já manifestou interesse na compra do projeto, motivada pela disparada dos preços.
Em 25 de maio, a Petrobrás assinou contrato com a empresa Grepar Participações para venda da refinaria Lubrificantes e Derivados de Petróleo do Nordeste (Lubnor) e seus ativos logísticos associados, em Fortaleza. É a quarta refinaria negociada como parte do pacote de oito ativos colocados à venda no compromisso firmado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em 2019, para “abertura do mercado de refino no país”, que conduziu o país à dependência de importações.
A gestão bolsonarista da Petrobrás também assinou em 2021 contrato para venda da Refinaria Isaac Sabbá (Reman) a o Grupo Atem e fechou acordo com a F&M Resources para alienação da Unidade de Industrialização do Xisto (SIX). A expectativa da empresa é acelerar os trâmites no Cade para concluir a entrega ainda este ano. Uma refinaria, a Landulpho Alves (BA), já foi entregue e agora puxa para cima os preços na região.
“Fim de feira”
Em debate na comissão geral sobre a política energética e o desenvolvimento econômico e social do País promovida na Câmara nesta quarta, Mahatma Ramos dos Santos, representante do Ineep, criticou a “política de desmonte” bolsonarista. “O Estado brasileiro está abrindo mão, em benefício de interesses do capital internacional, da prerrogativa de ser ativo, o que coloca em risco o acesso universal à energia e a construção de mercados de energia mais justos”, apontou o especialista.
No mesmo dia, em Porto Alegre, Luiz Inácio Lula da Silva avisou novamente que as empresas candidatas a adquirir as estatais brasileiras terão que enfrentar a sua oposição. “Quem quiser se meter a comprar a Petrobrás ou a Eletrobrás que se prepare, pois vai ter que conversar conosco depois das eleições. Porque o seu Guedes está tentando vender até os tapetes do Palácio do Alvorada, do Palácio do Planalto”, disse Lula no ato em defesa da soberania com o movimento Vamos Juntos pelo Brasil.
Autor de três livros sobre o bolsonarismo, o jornalista Cesar Calejon afirma em artigo no Uol que, “em ampla medida”, o bolsonarismo ascendeu e foi tolerado por elites políticas e econômicas nacionais e estrangeiras devido à agenda neoliberal puxada por Guedes. “Neste contexto, as privatizações que o governo pretende avançar nos próximos meses são uma espécie de ‘fim de feira’ do bolsonarismo”, apontou.
“Sob a falácia da ‘austeridade fiscal’ e do Teto de Gastos”, diz Calejon, esses setores conseguiram avançar três posições. Seriam eles o aumento do desemprego e a consequente alteração da relação de forças entre empregados e empregadores, a abertura de setores para exploração pela iniciativa privada e o encaminhamento das famílias, sobretudo as mais pobres, para as mãos do mercado financeiro.
O jornalista cita o bloqueio de R$ 8,2 bilhões de recursos no Orçamento deste ano, dos quais R$ 6,3 bilhões serão retirados dos estratégicos ministérios de Ciência e Tecnologia, Educação, Saúde e Defesa, para dimensionar o atentado à soberania que se desenrola. “Neste sentido, a xepa bolsonarista sai ao custo do desmonte final do pacto constitucional brasileiro, sustentado a duras penas ao longo de décadas”, lamenta.
Da Redação, com agências
Matéria originalmente publicada no site do PT e replicada neste canal.