O Estadão perdeu a notícia em meio ao lobby da Receita Federal contra as deduções de despesas de saúde e educação do Imposto de Renda contido nas matérias publicadas no Caderno de Economia da edição de hoje. A verdadeira notícia não está nas deduções. Está na tabela com os valores de arrecadação e isenção por faixa de renda em 2018, cujos dados as matérias praticamente ignoram. Ali, ficamos sabendo que, a partir da renda mensal de R$ 56 mil, os contribuintes desfrutam de uma isenção muito superior ao valor que pagam de imposto. Tão superior que os 25.177 cidadãos que ganham mais de R$ 299.840 por mês (cada um) recolhem somente R$ 27,95 bilhões de Imposto de Renda por ano, enquanto sua isenção chega a R$ 206,77 bilhões – quase o equivalente à isenção concedida aos 25,8 milhões de contribuintes que ganham até R$ 14.055 por mês.
Como lembra o economista José Roberto Afonso, citado de passagem na matéria, os 1,1% mais ricos receberam em 2018 uma isenção total de R$ 414,7 bilhões, quase metade da renda isenta de todos os contribuintes brasileiros. Essa é a notícia. Essa é a vergonha do Brasil. O Imposto de Renda, que em qualquer país decente é progressivo, no Brasil é um imposto regressivo, que tributa proporcionalmente mais quem ganha menos. Porque no Brasil só se tributa a renda do trabalho. Não se tributam adequadamente os lucros e dividendos, que compõem o grosso da renda dos mais ricos. Talvez porque, como diz o ministro Guedes, os empresários e investidores, coitadinhos, têm tantas amarras, não conseguem investir, criar empregos… Só rindo. Ou chorando.
A outra vergonha do Brasil está na segunda matéria sobre a isenção para servidores do Judiciário, que chega a um terço da sua renda, porque regalias e privilégios não são tributados. E essa isenção de um terço provavelmente se repete em outras carreiras públicas do Legislativo e do Executivo. Quem paga todas essas isenções e todos os altos salários e todas as ricas mordomias? Nós. Os pobres, os remediados e a classe média. Afinal, não pagamos até a joia de dentadura de R$ 158 mil do deputado Marco Feliciano?
E, então, o iluminado secretário da Receita Federal, Marcos CPFM Cintra, acha que vai resolver todos os problemas fiscais do Brasil acabando com as deduções de despesas médicas e de educação no Imposto de Renda dos “ricos”. Ora, chamar de rico todo mundo que deduz do imposto as despesas com saúde e educação é uma infâmia. Como mostra a mesma tabela, a maior parte dessas deduções está nas faixas de renda média – de R$ 1.811 a R$ 14.055 mensais. Além disso, dizer que não há limite para dedução de despesas médicas é uma grande mentira. Há, sim. É o imposto que cada um arrecadou no ano. Por mais milhões que gastemos em saúde, a Receita não nos devolve um centavo a mais do que o imposto que já pagamos.
Talvez eu seja ingênua, mas acredito que, como ocorre nos países civilizados, a classe média toparia até pagar mais imposto se ela e todos os brasileiros pudessem contar com os sistemas públicos de saúde e educação, se a saúde e o ensino público oferecessem qualidade e, mais ainda, se houvesse capacidade suficiente de atendimento. Será que há vagas para todos em escolas, postos de saúde e hospitais públicos, secretário? E o governo vai aplicar o dinheiro economizado com as deduções que não poderemos fazer na construção de mais escolas e estabelecimentos de saúde, no aumento da remuneração de professores e profissionais de saúde, no investimento em sua formação e aprimoramento? Acho que não. Acho que vai é usar o dinheiro para aumentar ainda mais as isenções dos mais ricos e para aumentar ainda mais os salários e as regalias do setor público.
Ok. Eu sei que essa desigualdade toda não foi inventada agora. Eu sei que os governos anteriores não mexeram uma palha para tornar mais justo o sistema tributário, para taxar mais os que são verdadeiramente ricos, os que vivem de juros e dividendos. Mas estamos chegando ao fim da picada e parece que este governo está brincando de cabra cega. No meio dessa crise toda, com essa enorme contração de renda que está ocorrendo, com os números gigantes de desemprego, chega a ser ofensivo que o Ministério da Economia venha com contos da carochinha, como a demonização das deduções do IR, o enriquecimento milagroso do país via CPFM, os R$ 500 de FGTS e não se fala mais nisso. Balelas como essas mostram que o posto Ipiranga do governo não tem gás nem pra chegar na esquina.
Fonte: Manuela Klintowitz