Para defensores, projeto atrai investimentos e ajudará na retomada da economia
RIO DE JANEIRO
A aprovação de regime de urgência para discutir o novo marco regulatório do gás natural foi comemorada por produtores e grandes consumidores do combustível. Já os opositores dizem que o texto não garante a atração de investimentos e precisa ser mais bem discutido.
O projeto facilita o acesso de terceiros à infraestrutura de escoamento e transporte de gás no país, o que poderia ampliar a competição na oferta do combustível e baixar seu preço, segundo os defensores. Para eles, gás mais barato pode ajudar o Brasil a ampliar seu parque industrial, produzindo bens hoje importados, como produtos químicos e fertilizantes, por exemplo.
“Tem uma série de produtos importados que consomem uma quantidade grande de gás. Se produzidos no Brasil, poderiam triplicar o consumo de gás”, diz o presidente da Abividro (Associação Brasileira da Indústria do Vidro), Lucien Belmonte, citando dados de estudo da CNI (Confederação Nacional da Indústria). “Mas isso jamais ocorrerá ao preço que a gente está pagando.”
A proposta é defendida por um conjunto de 65 associações industriais, para quem o monopólio da Petrobras no setor impede o desenvolvimento no consumo. Responsável por 75% da produção nacional de gás, a estatal ainda domina as vendas do combustível, chegando a comprar a fatia de suas parceiras em campos produtores para revender ao mercado.
Com acesso à infraestrutura de transporte, dizem os defensores do projeto, essas empresas poderão concorrer com a Petrobras pelos consumidores, gerando um ambiente de competição que levaria a menores preços para o consumidor. A expectativa do governo é reduzir o preço do gás à metade do que é cobrado hoje.
“O projeto do gás é mais um passo nesse movimento de melhoria do Brasil. Faz parte do mesmo bloco do saneamento, da reforma trabalhista e da previdenciária, de um Brasil para muitos, com gás para muitos e não para poucos”, afirma o presidente da Abrace (Associação Brasileira dos Consumidores de Energia), Paulo Pedrosa.
No mundo empresarial, o principal foco de resistência está no segmento de distribuição de gás canalizado, setor que é monopólio estadual. As distribuidoras alegam que o projeto não traz incentivos ao investimento na expansão da rede de transporte, que hoje abastece principalmente estados do litoral brasileiro.
“É projeto muito tímido. Quando o governo fala em R$ 43 bilhões de investimento, não consigo enxergar isso no projeto de lei”, diz o presidente da Abegás (Associação Brasileira de Gás Canalizado), Augusto Salomon. “A lei em vigor já permite construir gasodutos. A questão é que para fazer isso, precisa botar investimento.”
A Abegás defende que o governo licite usinas térmicas em pontos onde hoje não há infraestrutura disponível, para que os projetos funcionem como âncoras para viabilizar novos gasodutos. Atualmente, os principais projetos térmicos no país estão no litoral. “Com térmica na apenas costa não vai ter universalização. E sem universalização, não tem ampliação da rede.”
O argumento também é usado pela oposição, que votou contra o regime de urgência na votação desta quarta (29). Para o deputado Carlos Zarattini, investidores privados não colocarão dinheiro em novos gasodutos sem saber o tamanho do mercado que será abastecido.
A oposição chegou a propor a criação de uma estatal para financiar novos gasodutos com dinheiro do Fundo Social que gere parcela do governo federal na arrecadação de royalties do petróleo, projeto que enfrenta resistência do governo. “Não acreditamos que o projeto vá gerar todo esse avanço se não tivermos novos gasodutos”, afirmou ele, em live da agência EPBR.
Zarattini disse que a oposição foi contra o regime de urgência por entender que o projeto demanda um debate mais profundo e que isso não seria possível em meio à pandemia, com o Congresso funcionando por meio de sessões virtuais.
O vice-líder do governo na Câmara, deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), disse também em live da EPBR que o projeto é prioridade para o governo Jair Bolsonaro (sem partido) e que pode destravar investimentos que ajudariam o país a se recuperar da crise econômica gerada pela pandemia.
“Brasil precisa baratear a energia, baratear a vida das pessoas, aumentar suas fontes de energia”, afirmou, dizendo estar confiante na aprovação do texto sem grandes alterações. “Temos muita confiança no conhecimento, no domínio dos parlamentares que estão ao redor dele. Não vejo espaço para nenhuma mudança que não seja mudança consensual.”
Mesmo para os defensores do projeto, porém, os impactos não são imediatos. Primeiro, porque a Petrobras ainda seguirá dominando o fornecimento até que novos campos produtores operados por empresas privadas entrem em operação. Depois, porque ainda há restrições ao uso da infraestrutura por empresas privadas.
O gás natural produzido em plataformas em alto mar precisa passar por gasodutos marítimos, unidades de tratamento, gasodutos terrestres e redes de distribuição estaduais até chegar ao consumidor final. Por acordo com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), a Petrobras se comprometeu a sair dos gasodutos terrestres e garantir acesso aos marítimos e às unidades de tratamento.
A estatal já vendeu suas participações em duas das três grandes redes de gasodutos terrestres do país, mas permanece praticamente como único cliente das empresas. A estatal planeja também sair do controle das malhas de gasodutos marítimos, mas o projeto ainda está em desenvolvimento.
Os grandes consumidores reclamam que o monopólio leva o país a subutilizar o gás que sai dos poços junto ao petróleo do pré-sal. Este ano, segundo dados do MME (Ministério de Minas e Energia), os produtores reinjetaram nos reservatórios 53 milhões de metros cúbicos por dia, volume quase equivalente ao consumo nacional, de 54,7 milhões de metros cúbicos por dia.PECs de interesse da equipe econômica no Congresso
Matéria publicada originalmente no site Folha de São Paulo e replicada neste canal.