A proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, e admite a possibilidade de responsabilização de veículo de comunicação por informações injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas e a eventuais danos materiais e morais por parte de um entrevistado. Sob esse entendimento, o plenário do STF condenou um jornal em razão de publicação de entrevista na qual o entrevistado imputou crime a terceiro.
O tema dividiu opiniões no colegiado, mas quatro ministros seguiram o voto de Alexandre de Moraes, para quem, no caso concreto, o veículo de comunicação atuou com negligência ao publicar entrevista concedida por terceiro, sem, ao menos, ouvir o imputado.
Para o ministro, não é relevante a circunstância de o jornal não ter emitido juízo de valor sobre as declarações do entrevistado. “O silêncio, às vezes, pode ser mais eloquente do que muitas palavras. Não se está aqui a cuidar de censura prévia, mas sim de reconhecer a posteriori a responsabilidade civil da empresa jornalística.”
Moraes negou provimento ao RE e propôs a fixação da seguinte tese:
“A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, não permitindo qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.”
O julgamento foi realizado em plenário virtual, e acompanharam Moraes os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux e Gilmar Mendes.
Outras correntes
Ficou vencido o relator, ministro aposentado Marco Aurélio, que entendia que empresa jornalística não deve responder civilmente quando, sem emitir opinião, veicule entrevista na qual atribuído, pelo entrevistado, ato ilícito a determinada pessoa.
Para S. Exa. “à liberdade de expressão estabelece ambiente no qual, sem censura ou medo, várias opiniões e ideologias podem ser manifestadas e contrapostas, caracterizando processo de formação do pensamento da comunidade política”.
O ministro ainda destacou que, em um Estado Democrático de Direito, a publicação de uma entrevista, por si só, não pode ser objeto de indenização e sim, quando a divulgação é feita de maneira abusiva e violenta.
O relator foi seguido por Rosa Weber.
Ministro Edson Fachin apresentou voto no sentido de que só é devida indenização por dano moral pela empresa jornalística quando, sem aplicar protocolos de busca pela verdade objetiva e sem propiciar oportunidade ao direito de resposta, reproduz unilateralmente acusação contra ex-dissidente político, imputando-lhe crime praticado durante regime de exceção.
A ministra Cármen Lúcia seguiu o entendimento.
Por fim, ministro Luís Roberto Barroso sugeriu tese segundo a qual, na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) deixar de observar o dever de cuidado na apuração da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios.
Histórico do caso concreto
Na instância de origem, o ex-deputado Federal Ricardo Zarattini Filho ajuizou uma ação contra jornal Diário de Pernambuco S.A., em razão de conteúdo de entrevista que teria violado a honra do ex-parlamentar por imputar a ele conduta ilícita.
A 1ª instância julgou o pedido procedente. A decisão foi reformada pelo TJ/PE, que assentou a ausência do dever de indenizar por parte da empresa, ao entender que a publicação tratava de entrevista de terceiro e que o meio de comunicação deixou de se manifestar quanto ao conteúdo. O TJ frisou que a atuação do jornal estava coberta pelo princípio da liberdade de imprensa e que não houve violação à honra.
Já no STJ, a 3ª turma julgou procedente o pedido de indenização, compreendendo que os direitos à informação e à livre manifestação do pensamento não possuem caráter absoluto, encontrando limites em outros direitos e garantias constitucionais que visam à concretização da dignidade da pessoa humana.
No âmbito do Supremo, a PGR opinou pelo desprovimento do extraordinário, sublinhando haver responsabilização da empresa jornalística ante a ausência do dever de averiguação da veracidade das alegações, cuja divulgação causou danos ao recorrido, uma vez não ter sido previamente ouvido.
O STF iniciou o julgamento em junho de 2020 em plenário virtual e, após votos de Marco Aurélio e Fachin, ministro Alexandre de Moraes pediu vista.
Publicado originalmente no site Migalhas