Um dos itens de consumo doméstico mais inflacionados da atualidade, o preço do gás de cozinha subiu quase 50% em um intervalo de dois anos. Os dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) revelam que a cotação média do botijão de 13 kg de gás liquefeito de petróleo (GLP) no Brasil saltou de R$ 69,74, em janeiro de 2020, para R$ 102,40 no primeiro mês de 2022.
Professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Joelson Sampaio estima que o valor médio do botijão de gás representa atualmente 8,4% do salário mínimo nacional, reajustado para R$ 1.212,00 em 1º de janeiro. Mas se em 2020 a Petrobras arrecadava R$ 27,79 por botijão, neste ano a receita é 83% maior: R$ 50,87.
O preço do GLP é composto por tributos estaduais, federais, custo de distribuição e a margem cobrada pela Petrobras. Os principais componentes da disparada dos preços, no entanto, são o custo do petróleo no mercado internacional, o dólar valorizado e o frete do petróleo até as refinarias, que é calculado em dólares. Exatamente os parâmetros considerados na política de Preço de Paridade Internacional (PPI), adotada pela estatal em outubro de 2016, sob Michel Temer, e mantida por Jair Bolsonaro.
“O destaque fica para o custo do insumo no mercado exterior, que faz com que a Petrobras cobre um valor muito alto pelo produto”, ressalta o economista em reportagem da CNN, apontando a dolarização dos combustíveis como o principal motivo para os preços abusivos. “Os aumentos acabam sendo repassados pela companhia com efeito em todo mercado nacional”, conclui Sampaio.
Também ouvido pela reportagem, o presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Sindigás), Sérgio Bandeira de Mello, acredita que não deve haver queda nos valores para o consumidor nos próximos meses.
“A pressão sobre os preços do GLP tem sido alta nos últimos dois anos. Sempre preço em ascensão”, constatou o presidente da Sindigás. “O GLP é um produto essencial, não é algo que as pessoas podem deixar de comprar, está muito caro.”
Acontece que o GLP está cada vez mais inacessível para as famílias mais pobres. Com isso, muitas recorrem à lenha ou ao álcool etílico para cozinhar, aumentando o risco de acidentes com queimaduras. Pesquisa realizada entre novembro de 2020 e janeiro de 2021 por movimentos sociais com mais de três mil famílias em situação precária do Rio Grande do Norte revelou essa realidade.
“A pesquisa nos mostrou que a liberação da venda de álcool 70% e, consequentemente, maior uso pelas famílias, causou aumento nos acidentes domésticos”, aponta Mara Jovanka, presidente da União de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro). “Dentro das ocupações ainda são usadas latinhas com álcool e gasolina, e com a liberação do álcool devido à pandemia, esse número aumentou em 45%.”
“A gente fala que quando aumenta o gás, aumentam as queimaduras”, comenta José Adorno, presidente da Sociedade Brasileira de Queimados (SBQ). Levantamento realizado pela entidade entre 28 de março a 30 e novembro de 2020 revela que 35,5% dos entrevistados se queimaram ao usarem o álcool 70% para cozinhar.
Dentre os agentes causais das queimaduras no Brasil, o álcool é o mais comum. Elas são associadas a números maiores de internações em UTI e óbitos. “O preço alto do gás de cozinha obriga a procurar a forma mais perigosa, mas é o que está a seu alcance. Em São Paulo, quanto mais caro fica o gás, mais vítimas de queimaduras por esse processo ocorrem”, reforça a presidente da regional da SBQ em São Paulo, Elaine Tacla.
Projeto do PT, Auxílio-Gás começou a ser pago em janeiro
Iniciativa do Partido dos Trabalhadores, o Auxílio-Gás começou a ser pago em janeiro para 5,47 milhões de famílias brasileiras. Os beneficiários receberão R$ 52 como ajuda para adquirir um botijão de gás. O benefício surgiu do Projeto de Lei (PL) nº 1347/21, de autoria do deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) e subscrito pelos parlamentares da Bancada do PT na Câmara.
Em entrevista ao Jornal Rádio PT em 25 de janeiro, Zarattini disse que será necessário lutar para ampliar o número de famílias pobres que foram excluídas do benefício. O motivo, diz ele, foram os cortes promovidos pelo desgoverno Bolsonaro no programa.
“O governo colocou o benefício para 5 milhões de famílias, sendo que o recurso deveria garantir 24 milhões de famílias, que precisam do Auxílio-Gás”, ressaltou o deputado. “Outras 19 milhões de famílias ficaram de fora e será necessária muita pressão, pois a situação econômica dessas famílias vai se agravar.”
“Essa política de preços do governo não ajuda o desenvolvimento nacional, não ajuda a economia. Eu sempre procuro ajudar a maioria do povo brasileiro, principalmente com projetos de lei ligados à situação econômica da sociedade”, finalizou Zarattini.
O acesso ao gás de cozinha a preços módicos foi uma das prioridades dos governos petistas. Entre julho de 2001 (começo da série histórica de preços dos combustíveis da ANP) e agosto de 2021, a relação entre o preço do gás de cozinha e o salário mínimo variou entre 5,67% e 14,67%. A mínima aparece em janeiro de 2015, sob Dilma Rousseff, enquanto a máxima diz respeito a janeiro de 2003, após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, que logo determinou a mudança nos rumos da política de preços da Petrobras.
Ao longo de 13 anos, entre 2002 e 2015, o preço do botijão vendido pela estatal ficou praticamente congelado no Brasil, mesmo com a variação dos preços internacionais. Isso foi possível devido a uma política de subsídios cruzados que permitia manter o preço estável, e vigorou durante quase todo os governos de Lula e Dilma.
Em 2015, já sob a pressão do lawfare movido pela força tarefa da lava jato, a Petrobras iniciou o processo de equiparação com os preços praticados pelo mercado internacional, elevando o preço do gás em 15%. Foi o primeiro aumento em 13 anos. A partir de junho de 2017, houve praticamente uma alta por mês, movida pela lógica da dolarização dos preços, em um momento de depreciação do real.
“A partir do governo Temer, o governo abriu mão de determinar o preço dos combustíveis e, hoje, a Petrobras atua, de fato, como uma empresa privada”, afirma ao Congresso em Foco Rafael Ribeiro, professor de conjuntura econômica na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ao adotar a dolarização, explica, a Petrobras conferiu peso extremo à flutuação das cotações internacionais do petróleo e ao câmbio.
Entre dezembro de 2019 e dezembro de 2021, conforme dados da Receita Federal, o real se desvalorizou 29,42% frente ao dólar. Sob Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes, a moeda brasileira perdeu quase um terço do valor em comparação ao dólar, unidade monetária de referência no mercado internacional.
“O efeito da alta do dólar foi particularmente ruim para os brasileiros porque aqui houve uma desvalorização do real muito forte, resultado da condução da nossa política”, defende o professor da FGV Mauro Rochlin.
“O câmbio deriva da política fiscal, das incertezas fiscais”, acrescenta o professor Mauro Sayar Ferreira, do Departamento de Economia da UFMG. “As expectativas criadas no âmbito fiscal, seja pelo presidente ou por pessoas que estão pleiteando o governo, tudo que impactar a expectativa de política fiscal vai impactar o câmbio.”
“Em função dessa grande instabilidade política que o Brasil viveu nestes últimos tempos, com a ameaça de ruptura institucional, briga entre os poderes, isso acaba gerando um temor muito grande em relação à economia brasileira”, prossegue Ribeiro. “Com isso, o capital internacional foge do país, aumenta o preço do dólar e, consequentemente, dos combustíveis”, conclui o professor da UFMG.
Do PT Nacional
Matéria publicada originalmente no site do PT e replicada neste canal.