Além de ignorar a estiagem, desgoverno Bolsonaro gerou a crise hídrica para elevar tarifas, acusa ex-presidente da Ana. Apagões podem ocorrer já a partir de outubro
A situação dos reservatórios das hidrelétricas, que já é precária, deve se agravar ainda mais em setembro, a ponto de o risco de apagões se tornar palpável já em outubro. Responsável direto pela junção de crises hídrica e energética, o desgoverno Bolsonaro é também acusado de leniência com as manobras realizadas por operadores privados do setor elétrico para forçar o aumento das tarifas.
“Fabricar a crise é o jeito de maximizar a renda dos agentes do setor elétrico. Maximizar a renda significa enfiar a mão nos nossos bolsos e transferir dinheiro para essas empresas”, afirmou Vicente Andreu, ex-diretor presidente da Agência Nacional de Águas (Ana), em entrevista à Rádio Brasil de Fato.
Na verdade, defende Andreu, “essa crise é uma crise de energia”. “Criam essa coisa de chamar de crise hídrica para dar a impressão de que é uma coisa fortuita, de momento, que ninguém esperava”, diz o estatístico, que já foi secretário nacional de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente.
“A falta de água nos reservatórios faz com que se criem as bandeiras tarifárias e agora criaram mais uma. Eu estimo mais ou menos R$ 33 bilhões que eles vão tirar da população brasileira, da sociedade brasileira, da economia para levar para esses agentes que operam no setor elétrico”, critica Vicente Andreu, presidente da Ana de 2010 a 2018.
“Essa crise é resultado de uma operação recorrente, que acontece todo ano, do setor elétrico e que foi agravada no governo Bolsonaro. Tem como finalidade esvaziar os reservatórios no período chuvoso para, quando chegar o período seco, tendo pouca água nos reservatórios, o preço da tarifa explodir”, explica Andreu, apontando que neste ano perderam o controle sobre a operação porque a seca é muito intensa.
“Todas as medidas que foram tomadas ou são resultado de falta de planejamento ou foram tomadas muito atrasadas. Inclusive, sem mobilizar a população, tentando esconder essa crise o máximo que eles conseguem”, prosseguiu Andreu, para quem “a única medida de fato que aconteceu no Brasil a partir de maio foi a explosão das tarifas, arrecadando dinheiro para o bolso do setor elétrico.”
“A falta de água nos reservatórios faz com que se criem as bandeiras tarifárias e agora criaram mais uma. Eu estimo mais ou menos R$ 33 bilhões que eles vão tirar da população brasileira, da sociedade brasileira, da economia para levar para esses agentes que operam no setor elétrico”, critica Andreu, presidente da Ana de 2010 a 2018.
“Como essas empresas estão todas verticalizadas ou são grupos econômicos, elas não perdem na ponta da geração. Ao contrário, o governo baixou uma Medida Provisória que permite a elas recuperar todo dinheiro que eventualmente estejam perdendo em 2021”, apontou. “Se a gente associa que não é problema de incompetência, que o problema é um ganho extraordinário desses agentes e muitos desses agentes apoiam o bolsonarismo, não dá para acreditar que tudo isso está acontecendo por acaso”, conclui.
Capacidade dos reservatórios baixa a cada semana
Na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara, o superintendente de Fiscalização dos Serviços de Geração da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Gentil Nogueira, afirmou nesta quarta-feira (8) que a capacidade geral dos reservatórios das usinas hidrelétricas brasileiras, que hoje está em 28%, pode ficar abaixo do mínimo de 19% registrado na crise de 2014. Abaixo de 10%, as hidrelétricas são desligadas.
As projeções do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já para este fim de semana apontam que o nível do subsistema Sudeste/Centro-Oeste, responsável por 70% da produção de energia do país, cairá de 20,37% para 15,2%. A queda também será registrada no Sul (de 26,22% para 22,6%), no Nordeste (48,15% para 40,1%) e no Norte (69,11% para 65,2%). Segundo a ONS, a previsão para setembro é de afluência (volume de água que chega aos reservatórios) abaixo da média no país.
O representante da Aneel ressaltou que o sistema ainda suporta a pressão porque a expansão das linhas de transmissão, ocorrida a partir de 2003, durante os governos de Lula e Dilma, permite agora que seja levada energia do Nordeste, com capacidade mais alta no momento, para o resto do país. A região concentra o maior volume de energia produzido a partir de geradores eólicos.
“O que é mais grave do meu ponto de vista, é que as hidrelétricas determinam o fluxo dos grandes rios brasileiros. No passado (os agentes do setor) eram donos dos rios. Nós criamos na Ana — na crise de 2014, durante o governo de Dilma Rousseff — uma série de regras que impediam que o setor elétrico fosse o dono dos rios. Essas regras agora estão sendo todas quebradas pelo governo Bolsonaro”, lamentou Ikaro Chaves, do Coletivo Nacional dos Eletricitários
Presente na audiência, o representante do Coletivo Nacional dos Eletricitários, Ikaro Chaves, afirmou que o prêmio para quem reduzir o consumo em 10% beneficia apenas grandes consumidores. “Principalmente as famílias mais pobres, essas não vão ter como reduzir porque muitas vezes a pessoa tem uma geladeira, uma tevê e três ou quatro lâmpadas na casa. Então vão deixar de consumir o quê?”, questionou o dirigente da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel).
Chaves criticou ainda a privatização da Eletrobras em plena crise energética. Segundo ele, é irracional vender por R$ 23 bilhões uma empresa que tem R$ 20 bilhões em caixa para investir. O deputado Leo de Brito (PT-AC) disse que pretende elaborar uma Proposta de Fiscalização e Controle para questionar a entrega da empresa pelo desgoverno Bolsonaro.
Para Andreu, não seria apenas uma privatização, mas uma desnacionalização. “É um passo a mais na perda da soberania em um setor estratégico para o país. Quem vai dizer, no futuro, como é que a coisa vai funcionar no Brasil são empresas fora no Brasil, que vão acabar comprando, como estão comprando, todo o setor elétrico brasileiro”, criticou, lembrando que a Eletrobras responde por 40% da geração hidráulica no Brasil.
“O que é mais grave do meu ponto de vista, é que as hidrelétricas determinam o fluxo dos grandes rios brasileiros. No passado (os agentes do setor) eram donos dos rios. Nós criamos na Ana — na crise de 2014, durante o governo de Dilma Rousseff — uma série de regras que impediam que o setor elétrico fosse o dono dos rios. Essas regras agora estão sendo todas quebradas pelo governo Bolsonaro”, lamentou.
O dirigente da Aesel concorda com a posição do ex-presidente da Ana. “Ter um certo déficit de energia é interessante para os setores econômicos, como o elétrico, para multinacionais do setor, de investimentos e um sistema financeiro que está cada dia mais forte no setor elétrico”, comentou em entrevista ao Brasil de Fato. “De certa forma, no Brasil, a política, tanto do governo Temer como de Bolsonaro, é de uma certa gestão da escassez”, finalizou o engenheiro.
Da Redação
Matéria publicada no site Partido dos Trabalhadores e replicada neste canal.