“Arapongagem: Bolsonaro usou Abin para fins políticos”, denuncia Zarattini

É preciso fortalecer os mecanismos de fiscalização do Congresso sobre as atividades da agência

1 fev 2024, 18:35 Tempo de leitura: 4 minutos, 37 segundos
“Arapongagem: Bolsonaro usou Abin para fins políticos”, denuncia Zarattini

ARTIGO: A arapongagem comandada pela gestão do governo Bolsonaro é algo que não se via no País desde a extinção do Serviço Nacional de Informações da época da ditadura. As investigações da Polícia Federal indicam que o governo utilizou o aparato da Agência Brasileira de Inteligência, órgão de Estado, para atender a interesses pessoais, como perseguir adversários políticos, avançar no projeto de poder e, ainda, municiar de informações privilegiadas integrantes da família Bolsonaro. O foco era produzir provas para a defesa na Justiça dos filhos do ex-presidente. Um esquema semelhante ao executado na ditadura e que colocou em risco vários preceitos democráticos, como o direito à privacidade.

Apesar da surpresa de muitos, sempre denunciei e combati essa atuação ilegal da Abin durante o governo Bolsonaro. A verdade é que esse crime nunca foi escondido. Em 2020, por exemplo, Gustavo Bebianno, que foi ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, denunciou em entrevista que o vereador Carlos Bolsonaro teria expressado a intenção de montar uma “Abin paralela”. As informações são de que centenas de cidadãos teriam sido monitorados por meio de um esquema sofisticado que envolveu, inclusive, o uso do software espião israelense First Mile. O sistema de geolocalização de dispositivos móveis foi utilizado sem autorização judicial para monitorar especialmente jornalistas, políticos, policiais e integrantes do Judiciário. Além de as informações servirem para o uso criminoso da família Bolsonaro, a espionagem pode ter permitido que dados sensíveis de milhares de brasileiros fossem compartilhados com órgãos estrangeiros que não precisam respeitar a nossa legislação sobre proteção de dados.

Vale lembrar que essa arapongagem é só mais um dos crimes dos quais Bolsonaro é acusado. Sua gestão responde pelo uso do dinheiro público em atividades de campanha, aparelhamento da Polícia Federal Rodoviária para impedir que eleitores de Lula chegassem aos locais de votação e o uso da estrutura do Estado para atacar o sistema eleitoral. O que também é escandaloso é essa turma vender a ideia de que todos são patriotas, depois de utilizarem o Estado exclusivamente para benefício próprio.

É preciso fortalecer os mecanismos de fiscalização do Congresso sobre as atividades da agência

O serviço de inteligência é essencial para garantir a soberania nacional. É um serviço que precisa nortear as tomadas de decisão estratégicas do governo federal em áreas sensíveis, como a política externa, a execução do programa de governo e a atuação no campo da segurança pública. Sem esquecer que também deve monitorar os serviços de inteligência de outros países (contrainteligência). Todas as funções foram criminosamente jogadas para um segundo plano pelo governo do ex-capitão. O fato é que o governo de Bolsonaro sequestrou uma agência de Estado sem qualquer constrangimento ou dificuldade. Ele, literalmente, passou a “boiada” na Abin. A sordidez do esquema foi grande e revelou o grau de insanidade a que estivemos expostos ao longo dos anos.

Os poderes da República têm agora a árdua tarefa de reconstruir pilares importantes do Estado Democrático e impedir que ações assim sejam repetidas. Faz-se necessário que as investigações avancem com agilidade e a Justiça puna com rigor os envolvidos no esquema, tanto quem deu a ordem para a arapongagem quanto os profissionais que a executaram, além dos beneficiados pelo esquema. Ao governo Lula cabe a reorganização de forma mais profunda do sistema de inteligência, inclusive investigando as denúncias de que a atual gestão da Abin interferiu para dificultar as investigações sobre a existência de uma “Abin paralela”.

Outro passo importante nessa reorganização é a aprovação com agilidade do projeto de resolução do Congresso Nacional (PRN 1/23), de minha autoria, que visa definir com maior clareza as atribuições da Comissão Mista de Atividades de Inteligência. A intenção é garantir que o órgão possa exercer com maior eficiência a sua função de fiscalização e controle externo das atividades exercidas pela Abin. Hoje, as atribuições da comissão não estão à altura dos desafios. Existem brechas e impedimentos burocráticos que dificultam o exercício da função de fiscalização. Proponho então que possamos atuar no controle da execução orçamentária e financeira da agência, inclusive acompanhando as compras, aquisições e contratações protegidas por sigilo. Além disso, é preciso garantir de forma clara que a comissão possa convocar o ministro de Estado e o diretor-geral da Abin para prestarem, pessoalmente, informações sobre assuntos relacionados às atividades de inteligência e contrainteligência. Outro caminho que defendo é a inclusão da obrigatoriedade de envio de relatório trimestral com informações detalhadas, em qualquer grau de classificação de sigilo, sobre suas operações, ações, produtos de inteligência e bens e serviços utilizados pela Abin para a comissão. O Projeto de Lei (PL 5139/23) tramita na Casa.

A volta da arapongagem desvirtua o trabalho de inteligência fundamental para qualquer governo e coloca em risco a nossa democracia. Por isso, defendo a necessidade de uma ação conjunta e enérgica em várias frentes, para punir com rigor os principais destinatários e beneficiários das informações produzidas ilegalmente na Abin.

*Artigo originalmente publicado pela Carta Capital.