“Comida é só o primeiro passo. A luta contra a fome passa por muitas outras, sobretudo a fome de dignidade. O povo quer viver bem”, disse Lula no Encontro dos movimentos do Campo, das Florestas e das Águas
O Brasil chega a mais um Dia Mundial da Alimentação, celebrado pelas Nações Unidas nesta sábado, 16 de outubro, sob o véu da mais humilhante das chagas da humanidade: a fome, flagelo que atinge diretamente mais de 20 milhões de brasileiros e voltou a colocar mais da metade da população em estado de insegurança alimentar. Diante desse cenário, é hora de lutar para retirar novamente o país do Mapa da Fome das Nações Unidas, por meio de um projeto de reconstrução nacional, clamou o ex-presidente Lula, nesta sexta-feira (15). Ele participou do Encontro dos movimentos do Campo, das Florestas e das Águas, em São Paulo, evento que reuniu dezenas de representantes de movimentos sociais, parlamentares e lideranças do PT, para debater ações de combate à fome.
“Estamos aqui para mostrar, na comemoração do Dia Mundial da Alimentação, a indignação da sociedade brasileira com relação à irresponsabilidade pela fome no terceiro maior produtor de alimentos e maior produtor de proteína animal do planeta”, afirmou Lula, em um discurso recheado de críticas à elite brasileira. O líder petista ouviu análises e relatos de movimentos sociais sobre a situação das populações mais vulneráveis no campo e nas periferias.
Lula lembrou as agruras de sua infância, quando passou fome e reafirmou a importância das lições do passado para construir o futuro. “É muito duro você sentar numa mesa e ouvir da mãe que não tem comida para colocar nessa mesa”, disse Lula. “Só quem passou por isso, sabe. Mas o que era graficamente da minha mãe é que ela sempre dizia, amanhã vai ter”, apontou.
O petista condenou a excessiva concentração de renda durante períodos de crise, gerando mais pobreza e miséria no mundo e no Brasil. “Essas pessoas que estão com fome, não é por falta da produção de alimento no campo, é por falta de dinheiro”, considerou. “A cabeça da elite econômica brasileira não mudou. Acabaram com a escravidão, teoricamente, em 1888, para quê? O negro que vivia na senzala passou a ser chamado de vagabundo, um pária”, denunciou. “Esse é o significado da existência da fome”.
“Se formos analisar quantos trilhões de dólares os países ricos colocaram para salvar o sistema financeiro na crise de 2008, daria para resolver a fome em todo o planeta”, apontou o ex-presidente. “Assim é a elite brasileira, sabe da fome por leitura. Mas quem lê não sente a fome”. Para a classe dominante, Lula insistiu, o pobre não passa de uma estatística. “Esse país nunca foi governado 100% para o povo mas para uma minoria privilegiada”, lamentou.
Ele falou ainda sobre outros “processos” de fome que pelo quais passam o país. “Temos fome de emprego, educação, cultura, direitos humanos, salário justo, desenvolvimento, empresas públicas, justiça, saúde de qualidade, água potável, saneamento, habitação, qualidade de vida, fraternidade, solidariedade, reforma agrária, crédito ao pequeno produtor, democracia, igualdade, paz e amor”, elencou.
“É possível mudar isso? Sim. Quem pode fazer isso? Nós”, respondeu, apontando o papel do PT, dos sindicatos e dos movimentos sociais na transformação do país em uma sociedade brasileira mais justa e fraterna. “A luta contra a fome passa por muitas outras, sobretudo a fome de dignidade. Precisamos recuperar a dignidade, restabelecer a democracia, porque nosso povo quer emprego, salário, cultura, viver bem”, concluiu.
Movimentos sociais
“Depois que o presidente saiu, estamos em situação humilhante, somos tratados como lixo”, denunciou Inaldo Brandão, da Pastoral dos Moradores de Rua. “Passamos muita dificuldade”, relatou Vanessa Damiana, também integrante do movimento. “Passamos frio, fome e, quando tentamos ter alguma coisa, uma barraca, a polícia vai lá, bate na gente, joga spray de pimenta na nossa cara. Só temos roupas e documento, o resto nos tiram tudo”. Ela relatou que não consegue emprego quando informa a um potencial contratante que é moradora de rua.
Em sua intervenção, Aristides dos Santos da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), reafirmou o papel da agricultura familiar no contexto atual. “Sem a produção de alimentos da agricultura familiar e camponesa, não enfrentaremos o problema da fome no Brasil e em nenhum lugar do mundo”, observou.
Ele reiterou que o setor produz 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, apesar de responder por apenas 23% da terra agricultável. Além disso, argumentou Santos, a agricultura familiar emprega 80% da mão-de-obra no campo. “Se tivéssemos ao menos 5% das áreas do Brasil, o que seria esse país do ponto de vista de produção, de desenvolvimento e de ocupação?”, especulou. “Não teríamos florestas e rios destruídos”.
“Falar da fome é falar da mulher, de quem está em casa e sabe do que falta na mesa”, disse Josana Lima, da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (CONTRAF). Ela alertou sobre a continuidade da atual gestão. “Temos fatores que nos preocupam: um é o presidente Bolsonaro, um genocida que não respeita a vida. Tudo o que ele tem feito é arrancar dos trabalhadores a possibilidade de continuar produzindo alimento”.
“Não dá para pensar na reconstrução do país sem pensar no alimento do povo, que as pessoas possam dormir sabendo que vão poder tomar café no outro dia”, disse Lima.
O representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, Alexandre Conceição, contou um pouco da história da organização e defendeu diretrizes para os movimentos do campo, como a reforma agrária, para vencer a fome. “Não tem combate a fome sem mexer na estrutura agrária. Este presidente levou ao Congresso os latifundiários, atrasados, que estão roubando as terras públicas pela grilagem”, disse. “Temos de combater isso e o Núcleo Agrário do PT tem sido fundamental”, ressaltou.
Quilombolas e indígenas sob ataque
Bico Rodrigues, da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ), denunciou que defensores das florestas e da biodiversidade estão pagando um preço muito caro no governo Bolsonaro, muitas vezes perdendo a vida, vítimas das queimadas criminosas que ocorrem sob a atual gestão.
“Quando a Amazônia, o cerrado e o pantanal queimam, nós também queimamos. Estamos nesse bioma e dependemos dele para viver dignamente”, destacou. “Temos sofridos vários ataques”, disse Rodrigues, ressaltando que as comunidades não têm nem 200 territórios titulados no país. “Quando se trata de território, se trata da vida”.
Já Kretã Kaingang, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, enfatizou que 82% da biodiversidade do planeta está nos territórios indígenas. “É necessário ousadia e coragem para enfrentar o agronegócio e demarcar nossas terras, fortalecer nossos órgãos Ibama, Ministério do Meio Ambiente, Chico Mendes, Funai, Incra, para enfrentar esse momento de pandemia”, disse, alertando ainda para os perigos de invasões e desmatamentos promovidos por garimpeiros no atual governo.
“Hoje quem mais sofre com a contaminação dos rios, pelo mercúrio do garimpo, são crianças”, afirmou, lembrando das denúncias nacionais e internacionais já feitas contra o governo “genocida” de Bolsonaro.
Também participaram do evento, além da centrais sindicais, as entidades Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Pastoral da Juventude Rural, Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo (MTC), União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e da Economia Solidária (UNICAFES), União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias (UNICOPAS), Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos Tradicionais, Extrativistas, Costeiros e Marinhos (CONFREM), Movimento Camponês Popular (MCP), Movimento dos Atingidos por Barragem e Movimento de Mulheres Camponesas (MMC).
Da Redação
Matéria publicada originalmente no site Partido dos Trabalhadores e replicada neste canal.