Proposta apresentada pelo ministro-banqueiro sugere apenas a unificação de PIS e Cofins. Oposição quer Reforma Tributária Justa, Solidária e Sustentável para garantir mais recursos para educação, saúde, segurança e ações de desenvolvimento econômico e social
Uma semana após 83 capitalistas de vários países apresentarem carta no site Milionários pela Humanidade pedindo a elevação dos impostos sobre os mais ricos “como eles” para a reconstrução econômica, superada a pandemia do coronavírus, o ministro da Economia, Paulo Guedes, entregou no Congresso Nacional a primeira parte de um projeto de reforma tributária anódina que reflete a falta de rumos do desgoverno Bolsonaro.
Sob o pretexto de “simplificar” a legislação tributária, Guedes não apresentou a proposta de taxar transações online, como havia sido anunciado. O governo tampouco menciona a redução da carga tributária, e também não propôs a tributação de dividendos para desonerar a folha de pagamento, nem mudanças no Imposto de Renda. O ministro-banqueiro alegou que quer apresentar essas mudanças em outras etapas.
O projeto de lei apresentado ao Parlamento sugere apenas a unificação do PIS e da Cofins. O novo tributo se chamaria CBS (Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços). A alíquota estudada pelo Ministério da Economia é de 11% a 12%. O percentual fixado na versão final do projeto ainda não foi divulgado.
A proposição governista se une a duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC 45, da Câmara dos Deputados, e PEC 110, do Senado) sobre o tema. Os documentos estão sendo discutidos em uma comissão mista, formada por deputados e senadores. A comissão teve seus trabalhos paralisados por causa da pandemia. A análise só foi retomada na última semana, após decisão de Rodrigo Maia.
O presidente da Câmara alegou que o tema é urgente e que os deputados deveriam fazer a reforma avançar. A medida gerou reação do presidente do Senado, David Alcolumbre, que chegou a dizer que não colocaria uma eventual proposta aprovada pelos deputados em votação.
Já na União Europeia, os 27 Estados-membros do bloco chegaram nesta terça (21) a um acordo sobre o plano para a reconstrução da economia pós-pandemia. O valor total do pacote é de mais de € 1,8 trilhão –equivalente a R$ 11,4 trilhões, ou o PIB brasileiro em 2019 multiplicado por 1,6. O desgoverno Bolsonaro-Guedes reservou pouco menos de 10% dessa quantia (R$ 1,3 trilhão) para salvar os bancos durante a crise do coronavírus.
E o Brasil, que no mandato da presidenta Dilma Rousseff criou com seus parceiros de acrônimo o New Development Bank (NDB), ou Banco do Brics, agora bate às portas da instituição de joelhos, apelando por um empréstimo inédito de US$ 1 bilhão, ou R$ 5,5 bilhões, para financiar o pagamento do auxílio emergencial aos trabalhadores informais.
Em nota, o NDB afirmou que o empréstimo “constitui ferramenta importante para o governo brasileiro assegurar uma resposta fiscal robusta de combate à pandemia e permitir que investimentos prioritários sejam efetuados, apoiando a retomada econômica”. Resta saber se a instituição fiscalizará a aplicação desses recursos pelo desgoverno Bolsonaro-Guedes.
PT e oposição exigem taxação sobre grandes fortunas
Em outubro do ano passado, os partidos de oposição lançaram a proposta da Reforma Tributária Justa, Solidária e Sustentável, que tramita como emenda substitutiva global à PEC nº45/2019. Ela institui, entre outros pontos, a taxação de grandes fortunas, dos lucros e dividendos; a cobrança de imposto sobre grandes heranças; a taxação de bens de luxo (iates, helicópteros, lanchas); e ainda cria novas faixas no Imposto de Renda para quem ganha mais.
A proposta foi formulada conjuntamente pelas bancadas do PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB e REDE no Senado e na Câmara, pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco). A coordenação dos trabalhos foi do economista Eduardo Fagnani, com a contribuição de diversos economistas e acadêmicos.
Na ocasião do lançamento, o então vice-líder da Bancada do PT na Câmara, Enio Verri (PR), explicou que não se trata só de uma simplificação tributária, “mas essencialmente da inclusão de outros aspectos como a desoneração dos mais pobres, o trabalhador e a trabalhadora, e garantia do equilíbrio das contas públicas por meio da taxação das grandes corporações e de quem pode pagar mais”.
Verri explicou que a restruturação contida na proposta está articulada em torno de sete eixos: tributação justa e solidária; sustentabilidade ambiental; proteção à saúde humana; financiamento da educação; preservação da Seguridade Social; restabelecimento do pacto federativo e desenvolvimento regional e simplificação e eficiência tributária.
“O objetivo é garantir mais recursos para melhorar os serviços públicos, em especial nas áreas de educação, saúde e segurança, e implementar ações de desenvolvimento econômico e social”, destacou o deputado paranaense.
O Brasil é o campeão mundial de desigualdade, só perdendo para o Catar. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2018 40% de toda a renda do País estava concentrada na mão dos 10% mais ricos, enquanto a metade da população sobrevivia com R$ 413 por mês.
O principal instrumento de perpetuação e aprofundamento dessa desigualdade é o sistema tributário, que despeja a maior parte do peso dos tributos nos ombros dos mais pobres, concentrando a cobrança de impostos sobre os salários e o consumo e desonerando generosamente o patrimônio dos mais ricos.
Para os parlamentares petistas, já passou da hora de o Brasil ter um modelo de tributação que respeite o que a Constituição determina: a cobrança de impostos precisa respeitar princípios como a capacidade contributiva de quem paga.
Dados oficiais mostram que a média dos tributos sobre o patrimônio e renda nos países integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de quase 40%. No Brasil é de apenas 22,7%. Com os tributos sobre o consumo, que afetam os mais pobres, ocorre o contrário: a média entre os países da OCDE é de 32,4%, enquanto no Brasil esse percentual salta para quase 50%.
O princípio da capacidade contributiva, previsto no parágrafo 1º do artigo 145 da Constituição Federal, estabelece que nosso sistema tributário deve caminhar em busca de justiça fiscal, visando diminuir as desigualdades. Na prática, porém, o modelo adotado no Brasil resulta no que se chama de carga tributária regressiva, que desconsidera a capacidade contributiva de quem paga.
Um exemplo são os tributos sobre o consumo e serviços — os impostos indiretos —cujo valor pago por cada contribuinte é idêntico, independentemente de o pagador do tributo ser beneficiário do Bolsa Família ou um bilionário.
O texto defendido pelo PT também prevê mudanças como a ampliação da cobrança de impostos dos grandes poluidores, garantindo verbas públicas para incentivar práticas agrícolas sustentáveis.
“A reforma tributária mexe, de fato, com a estrutura de poder, com os grandes”, lembra o senador Paulo Paim (PT-RS). Não é tão fácil mexer em um sistema que beneficia os muito ricos quanto foi alterar as regras da Previdência, do salário mínimo e da legislação trabalhista. “Os poderosos só mexem com os pequenos”, conclui o parlamentar gaúcho.
da Redação
Matéria publicada originalmente no site Partido dos Trabalhadores e replicada neste canal