Negacionismo da gravidade da pandemia de coronavírus e inação em adotar políticas eficientes de manutenção do emprego elevam para 13,1% a taxa de desocupação. Índice ainda deverá aumentar muito com o fim da concessão do auxílio emergencial para os informais, os mais sacrificados nessa conjuntura
A desastrosa política econômica do governo Bolsonaro/Guedes eleva o desemprego a níveis alarmantes, e a tendência é de piora ainda maior. A taxa de desocupação subiu para 13,1% na quarta semana de junho, em relação à semana anterior. Isso corresponde a 12,4 milhões de pessoas desocupadas, e resulta da queda de 84 milhões para 82,5 milhões (-1,5 milhão) de pessoas ocupadas na semana.
Essa é a maior taxa desde o início de maio, quando começou a PNAD COVID19, versão da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para identificar os impactos da pandemia no mercado de trabalho.
“Em relação à primeira semana de maio, o movimento também é de queda na população ocupada, aumento da desocupada e, consequentemente, aumento da taxa de desocupação”, disse a coordenadora da pesquisa, Maria Lúcia Vieira, ao divulgar os dados nesta sexta (17). “A população desocupada e em busca de ocupação aumentou 26%, em comparação com a primeira semana de maio”, acrescentou.
A pesquisa também mostra que continua caindo o número de pessoas ocupadas que estavam temporariamente afastadas do trabalho presencial devido ao distanciamento social na quarta semana de junho. Ele passou de 11,1 milhões para 10,3 milhões, na comparação com a semana anterior. No início de maio, eram 16,6 milhões.
“Isso é resultado de pessoas que podem estar retornando ao trabalho, mas também devido a um possível desligamento dessas pessoas do trabalho que elas tinham”, analisa Maria Lúcia.
Entre os ocupados, 8,6 milhões trabalharam de forma remota, o que representa 12,4% de trabalhadores não afastados do trabalho em virtude da pandemia. Esse grupo segue estável desde a primeira semana de maio (8,5 milhões).
A coordenadora da pesquisa observa ainda queda no total de pessoas que estavam fora da força de trabalho, mas gostariam de trabalhar e não procuraram trabalho devido à pandemia ou por falta de trabalho na localidade em que vivem (17,8 milhões). “A pandemia vem, cada vez mais, deixando de ser o principal motivo que as pessoas alegam para não ter procurado trabalho”, disse ela.
Na quarta semana de junho, o IBGE estima que 170,1 milhões pessoas estavam em idade para trabalhar, mas somente 82,5 milhões, ou menos da metade (48,5%), estava trabalhando. O número é mais baixo que o da semana anterior (83,9 milhões) e o da primeira semana de maio (83,9 milhões).
Fim do auxílio emergencial pressionará índice
Segundo o IBGE, a taxa de trabalhadores na informalidade ficou em 34,5% na quarta semana de junho, atingindo 28,5 milhões de pessoas. No início de maio, eram 29,9 milhões. Entre os informais estão os empregados do setor privado sem carteira; trabalhadores domésticos sem carteira; empregadores que não contribuem para o INSS; trabalhadores por conta própria que não contribuem para o INSS; e trabalhadores não remunerados em ajuda a morador do domicílio ou parente.
Outro estudo, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúclio Vargas (Ibre- FGV), aponta que a perda de ocupação entre os trabalhadores informais em meio à pandemia é mais que o dobro daquela registrada entre empregados formais.
O estudo também prevê que, com o nível recorde de pessoas fora do mercado de trabalho, devido ao isolamento social e também à garantia de uma renda mínima pelo auxílio emergencial, a volta desses trabalhadores à busca por ocupação deve pressionar ainda mais a taxa de desemprego nos próximos meses.
A taxa de desocupação estava em 12,9% no trimestre encerrado em maio, segundo o IBGE, acima dos 11,6% registrados até fevereiro, antes do início das medidas de distanciamento social adotadas para conter o avanço da Covid-19. Mas para os profissionais do Ibre, esse indicador não reflete a realidade do mercado de trabalho em meio à pandemia, já que muitas pessoas perderam suas ocupações, mas não estão procurando um novo emprego. Por isso, elas não são consideradas desempregadas.
Os pesquisadores Paulo Peruchetti, Tiago Martins e Daniel Duque consideraram esse dado para analisar a variação da população ocupada e mensurar os efeitos da crise sobre o emprego. Para avaliar o que ocorre mês a mês, utilizaram uma metodologia desenvolvida pelo Banco Central que permite mensalizar a Pnad Contínua do IBGE.
O que poderia ter sido feito e não foi seria controlar a pandemia. Quanto mais tempo se alonga o período em que muitas pessoas estão sendo contaminadas e morrendo, a incerteza permanece, com as pessoas reduzindo consumo, empresas diminuindo atividade, o que impacta cada vez mais o empregoDANIEL DUQUE, PESQUISADOR DA FGV
Segundo o estudo, divulgado pelo jornal ‘Folha de São Paulo’, a população ocupada brasileira somava 83,4 milhões de pessoas em maio, ante 93,5 milhões no mesmo mês de 2019. Essa queda de 10,7% representa um recorde na série histórica iniciada em 2012.
Entre os informais, a redução da ocupação foi de 15,1% em maio, comparada a recuo de 6,7% entre os formais. O número de informais despencou de 44,9 milhões, em maio de 2019, para 38,1 milhões em maio desse ano, com 6,8 milhões a menos de trabalhadores informais ocupados. Já os formais diminuíram de 48,7 milhões para 45,4 milhões, uma perda de 3,3 milhões de ocupações.
Ao fim de 2019, enquanto um trabalhador com carteira tinha renda média de R$ 2.226, o sem carteira ganhava R$ 1.462, a doméstica sem carteira recebia R$ 773 e o trabalhador por conta própria, R$ 1.734.
“O governo tem pouca capacidade de agir sobre o mercado de trabalho informal, esse é um grande problema em termos de política pública”, observa Daniel Duque. “Outro fator problemático é que muitos desses trabalhadores estão no setor de serviços e comércio, em atividades que para serem viáveis economicamente dependem de aglomeração, o que seria até imprudente manter funcionando.”
No setor de serviços, que concentra 70% de todo o emprego gerado no país e onde a taxa de informalidade chegava a 44% em 2019, a queda da população ocupada atingiu 10,7% em maio, segundo o levantamento do Ibre.
Outro segmento que se destacou negativamente foi a construção civil, mesmo enquadrada como atividade essencial. Com uma taxa de informalidade de 73% em 2019, o setor teve uma queda da população ocupada de 15,7% em maio, destaca Peruchetti. Pior do que a indústria em geral (-11,9%) e os segmentos de transformação, extrativa e serviços de utilidade pública (-9,8%).
Taxa de ocupação mínima
Com a crise do coronavírus, a taxa de participação na força de trabalho atingiu a mínima histórica de 55% em maio, vindo de 61,6% em fevereiro, antes das medidas de isolamento. A força de trabalho é a soma de pessoas em idade de trabalhar ocupadas ou em busca de emprego. Já a população fora da força de trabalho cresceu 21,5% em maio, também um recorde.
“Teremos uma volta dessas pessoas que estão fora do mercado de trabalho. Sem o auxílio emergencial, elas vão ter que buscar renda, então a taxa de desemprego, que não subiu muito no curto prazo, pode subir mais num segundo momento”, afirma Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre-FGV.
Para Solange Srour, economista-chefe da gestora ARX Investimentos e colunista da Folha, o mercado de trabalho pode sofrer uma mudança estrutural no pós-pandemia, com o rápido avanço tecnológico provocado pela crise contribuindo para uma redução da demanda por trabalho menos qualificado.
“É provável um desemprego estrutural que permaneça elevado por mais tempo, ainda que nossa vida volte ao normal”, diz Solange. Segundo ela, como os informais são em grande parte trabalhadores pouco qualificados e de menor escolaridade, eles devem enfrentar dificuldade ainda maior de se reinserir no mercado formal.
A economista estima que a taxa de desemprego, hoje próxima dos 13%, pode subir rapidamente para perto dos 20% com a volta dos trabalhadores ao mercado de trabalho após o relaxamento do isolamento e fim do auxílio emergencial.
A situação será ainda mais grave porque essa volta deve ocorrer ao mesmo tempo em que terminam os benefícios para manutenção do emprego nas companhias formais. “Vai haver uma oferta maior de trabalho e demanda menor das empresas, que devem diminuir o número de vagas com o fim dos benefícios”, projeta Solange.
As respostas do poder público a esse cenário são limitadas, avaliam os pesquisadores da FGV. “O que poderia ter sido feito e não foi seria controlar a pandemia. Quanto mais tempo se alonga o período em que muitas pessoas estão sendo contaminadas e morrendo, a incerteza permanece, com as pessoas reduzindo consumo, empresas diminuindo atividade, o que impacta cada vez mais o emprego”, conclui Daniel Duque, mostrando que a inação e o negacionismo reiterados da dupla Bolsonaro/Guedes feriram de morte o mercado de trabalho brasileiro.
Matéria publicada no site Partido dos Trabalhadores e replicada neste canal.