Polêmica da legitimidade ativa para ações por ato de improbidade administrativa

A Nova Lei de Improbidade Administrativa trouxe uma significativa mudança no que diz respeito à legitimidade ativa para propositura da ação por ato de improbidade administrativa.

6 abr 2022, 14:35 Tempo de leitura: 7 minutos, 41 segundos
Polêmica da legitimidade ativa para ações por ato de improbidade administrativa

Por Adriano Zanotto

A Nova Lei de Improbidade Administrativa [1] trouxe uma significativa mudança no que diz respeito à legitimidade ativa para propositura da ação por ato de improbidade administrativa. O artigo 17 da Lei de Improbidade, anteriormente à promulgação da Lei 14.230/21 especificava que a “ação principal, que terá rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada”.

A nova redação do artigo 17 limita o legitimado ativo. Desde a promulgação da Lei 14.230/21 somente o Ministério Público tem legitimidade para propor a ação por improbidade administrativa. Isto porque, e no nosso entender andou bem o legislador, a ação deixou expressamente de ter caráter civil, conforme disposto no artigo 17-D. Portanto não pode ser mais denominada “Ação Civil Pública Por Improbidade Administrativa”, mas, Ação Por Improbidade Administrativa.

E assim, como as demais ações penais [2], a legitimidade para sua propositura é do órgão ministerial.

O legislador reformador justificou a legitimidade exclusiva do Ministério Público pelos seguintes argumentos: “Isso se deu por consideração à natureza do provimento requerido no seio de ações desta natureza. Não é razoável manter-se questões de estado ao alvedrio das alterações políticas e nem tratar questões de ato de improbidade como se administrativas fossem. Há um viés político-institucional que deve ser observado, o que torna salutar e necessária a legitimação exclusiva”. (Exposição de Motivos do Projeto Lei nº 10.887/18, relator deputado Roberto de Lucena).

O deputado Carlos Zarattini ao acolher a medida justificou em seu parecer que “por se tratar de ação que tem como fito a aplicação de sanções que envolvem sensíveis direitos fundamentais, como a suspensão dos direitos políticos” mais correta a legitimidade exclusiva do Ministério Público.

A polêmica surgiu com o ajuizamento de Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.042 pela Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape) que, no entender da referida Associação, a sua exclusão do polo ativo constitui “uma afronta à autonomia da Advocacia Pública, tendo em vista que a União, os Estados e os Municípios ficarão à mercê da atuação do parquet para buscar o ressarcimento do dano ao erário”. Alega, para fundamentar seu pedido, ofensa ao “princípio da vedação ao retrocesso social, ao direito fundamental à probidade, ao pacto federativo, à autonomia dos estados e aos princípios administrativos da eficiência, da segurança jurídica e da moralidade”

Está o autor daquela medida cautelar a olhar a LIA com os olhos voltados para a norma anterior. Desconsidera os avanços e o caráter não civil da ação, que, a meu ver, autoriza esta importante modificação.

O ministro Alexandre de Moraes, relator da medida cautelar no STF, concedeu parcialmente a liminar pleiteada e neste aspecto ampliou a legitimação ativa em sede preliminar. Ocorre que a fundamentação tanto da ação como da decisão está pautada no fato de que estaria o ente lesado impossibilitado de buscar o ressarcimento de danos causados ao erário.

Com todo o respeito, sob meu ponto de vista pessoal, este raciocínio não está correto. Não há qualquer impeditivo para que o ente lesado exerça todas as providências necessárias para buscar o ressarcimento de danos causados ao erário decorrentes de qualquer tipo de ato, ímprobos ou não. Tem a sua disposição a ação civil pública prevista na Lei 7.347/85. Portanto, para preservar o patrimônio público não há qualquer limitação na ação do ente lesado.

A ação de improbidade não existe para ressarcir os cofres públicos. Tanto, que o legislador afastou, dentro das penas previstas, o ressarcimento ao erário. Ou seja, o ressarcimento ao erário deixou de ser uma das sanções e passou a ser consequência da decisão, de conformidade com o artigo 18 da Lei de Improbidade. O ressarcimento ao erário, assim como o perdimento de bens [3] podem ocorrer independente da Ação por Ato de Improbidade.

Também, não há qualquer impedimento para a entidade lesada combater atos de corrupção, eis que existem os processos administrativos, a tomada de conta especial, e a própria representação junto ao Ministério Público. Todas essas providências estão à sua disposição.

O artigo 17-D da Lei de Improbidade dispõe que “a ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas nesta Lei, e não constitui ação civil, vedado o ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos”. Ora, para se aceitar os argumentos do contrário deverá considerar também inconstitucional o artigo 17-D eis que deixa claro que a Ação por Ato de Improbidade não é ação civil. Daí decorre a limitação da legitimidade ativa. O ministro Alexandre de Moraes se ancora no §1º do artigo 129 da CF [4] para legitimar terceiros à Ação de Improbidade. No entanto, aquele dispositivo deixa claro que a legitimidade constitucionalmente alargada e concorrente é para as ações civis. E, Ação por Ato de Improbidade, repete-se, não é ação civil. Portanto, não se retira do pré-citado artigo da Constituição, nem tão pouco do §4º do artigo 37 a previsão constitucional de legitimidade ativa da União, estados e municípios para propor ação que busca aplicar sanções de caráter pessoal à agente ímprobo.

Qualquer sanção que o ente público visar aplicar em decorrência de atos de corrupção podem ser efetivados pelos processos administrativos sancionatórios. Se o agente estiver fora do alcance de processos administrativos, tem, o ente lesado, à disposição o Ministério Público e os Tribunais de Contas. E, para eventual lesão ao erário, tem a ação civil pública. Está o ente lesado, desta forma, aparelhado com amplos instrumentos que assegurem o seu direito de combater o mal uso da coisa pública.

Não lhe foi retirado direito com a limitação da legitimidade da propositura de Ação por Ato de Improbidade. A legitimidade havia, na lei antes da reforma, pois uma das penas previstas era o ressarcimento ao erário. Agora, não é mais. A ação por Ato de Improbidade é uma ação com característica semelhante à “ação penal pública incondicionada”. Tendo o Ministério Público conhecimento do ato com indícios de improbidade, conhecimento este que pode ser por comunicação da entidade lesada, tem  a obrigação de propor a Ação. E a legitimidade exclusiva decorre, como já dissemos, do caráter penal da ação.

Com esta bem vinda alteração retira-se o caráter político dessas ações. Não raras vezes o governo que perdia as eleições ficava sujeito aos novos ocupantes dos cargos que, através de suas procuradorias, entulharam o adversário político com ações de improbidade questionando os atos que não concordavam. E, sujeitaram os agentes políticos às mais adversas consequências decorrentes dos abusos no manejo das ações de improbidade.

A previsão de suspender os processos por um ano, no artigo 3º da Lei 14.230/21 [5] para que o Ministério Público manifeste interesse no prosseguimento das ações por improbidade ajuizadas pela Fazenda Pública vem justamente no sentido de permitir ao legitimado fazer a separação das ações que têm fundamento na defesa da coisa pública daquelas que foram objeto de vindicta política.


[1] Já que considero significativas as alterações introduzidas pela Lei nº 14.230/21 chamo a norma, após a promulgação desta Lei de Nova LIA. Observo que este é um conceito pessoal.

[2] Com exceção das ações penais privadas.

[3] Apesar de que a perda de bens continuar sendo uma das penas previstas no artigo 12 e seus incisos I e II da LIA.

[4] §1º — A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei.

[5] “Artigo 3º No prazo de um ano a partir da data de publicação desta Lei, o Ministério Público competente manifestará interesse no prosseguimento das ações por improbidade administrativa em curso ajuizadas pela Fazenda Pública, inclusive em grau de recurso. (Vide ADIN 7042). (Vide ADIN 7043).

§1º No prazo previsto no caput deste artigo suspende-se o processo, observado o disposto no artigo 314 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

§2º Não adotada a providência descrita no caput deste artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito”.

Matéria publicada originalmente no site Consultor Jurídico e replicada neste canal.