Os investigadores da “lava jato” grampearam o ramal central do escritório que defende o ex-presidente Lula por quase 14 horas durante 23 dias entre fevereiro e março de 2016. Ao todo, foram interceptadas 462 ligações, nem todas relacionadas à defesa do ex-presidente, mas todas feitas ou recebidas pelos advogados do escritório.
E as conversas que estavam relacionadas à defesa de Lula foram transcritas em relatórios diários enviados pela Polícia Federal aos procuradores da “lava jato” e ao ex-juiz Sergio Moro. E, conforme mostraram conversas de Telegram obtidas pelo site The Intercept Brasil e divulgadas pela Folha de S.Paulo, os grampos foram usados para que a força-tarefa se antecipasse às estratégias da defesa.
Os grampos, conforme revelou a ConJur em março de 2016, aconteceram num momento sensível para a “lava jato”: o Supremo Tribunal Federal estava para decidir quem seria competente para ficar com o caso de Lula, o consórcio de Curitiba ou o Ministério Público de São Paulo.
Os promotores paulistas chegaram ao ex-presidente a partir de uma investigação sobre o envolvimento da Bancoop na propriedade de um prédio no Guarujá (SP) – onde está o tríplex que resultou numa condenação a Lula. Para a defesa de Lula, feita pelos advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Martins, o caso do ex-presidente deveria ficar em São Paulo. Mas, para a “lava jato”, Lula havia recebido propina de empreiteiras a partir de contratos da Petrobras.
A interceptação do ramal central do escritório de Zanin e Valeska, portanto, foi bastante útil para os curitibanos. Conforme documentos apresentados pela defesa de Lula ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a PF fez diversos relatórios sobre as conversas relacionadas ao ex-presidente, avaliando se elas poderiam ser úteis ou não ao processo.
No dia 4 de março de 2016, por exemplo, Zanin ligou para o criminalista Nilo Batista, que também trabalhou na defesa de Lula. Segundo o relatório enviado aos procuradores pelo agente da PF William Coser Stoffels, eles “conversaram amenidades”.
Já no dia 14 de março, o relatório, feito pelo agente Rodrigo Prado Pereira, foi sobre uma conversa entre Zanin e Lula: “Pergunta como foi o dia. Diz que foi corrido. Acha que avançaram. Estão preparando uma serie de petições. Tem algumas providências para adotar. Uma em especial no Supremo que acha que pode dar certo. Em prejuízo do recurso que está em julgamento. Lils [abreviação para Luiz Inácio Lula da Silva] diz que Cristiano gravou e quer que ele acompanhe para ver se vão deturpar. Vai contrapor qualquer versão. Cristiano entregou num pen-drive a íntegra do depoimento”.
Mas o grampo já acontecia há algum tempo. A defesa de Lula protocolou a reclamação sobre a competência da “lava jato” no dia 26 de fevereiro de 2016. No dia seguinte, Rodrigo Prado Pereira informou Deltan que Roberto Teixeira, sócio de Zanin e Valeska, havia conversado com Jacques Wagner (PT-BA), ex-ministro da Casa Civil e hoje senador, e com Lula sobre conversar com a ministra Rosa Weber, do STF. Ela era relatora da reclamação.
“As conversas internas do escritório e entre os advogados e o Embargante foram ouvidas em tempo real pela Polícia Federal, que elaborou planilhas com resumos dos diálogos e os submeteu ao então juiz Sergio Moro e aos procuradores da República que oficiaram no feito”, afirma a defesa de Lula, nos embargos apresentados ao TRF-4.
Procedimento
Os embargos foram apresentados ao TRF contra a condenação de Lula no caso do sítio de Atibaia. Uma das alegações do documento é que o grampo ao escritório dos advogados do ex-presidente não seguiu o rito da Resolução 59 do Conselho Nacional de Justiça, que regula a interceptação de comunicações por ordem judicial.
A resolução diz que o juiz deve conferir com a operadora de telefonia se o número interceptado pertence de fato ao réu ou investigado, o que nunca aconteceu nesse caso.
Segundo a tese desenvolvida pelo MPF para justificar o pedido de grampo, o telefone do escritório estava registrado na Receita Federal como se fosse a Lils Palestras, a empresa de palestras e consultoria de Lula. Na verdade, o site foneempresas.com é que listava o telefone como se fosse da Lils Palestras. Uma busca no Google mostraria aos procuradores que o número era do Teixeira, Martins e Advogados.
Tudo isso foi alegado pela defesa ao Supremo na época. O relator da “lava jato” era o ministro Teori Zavascki, que pediu explicações a Moro. O ex-juiz disse que não tinha percebido que autorizou o grampo de um escritório de advocacia, mas pediu “escusas”. Teori, então, mandou que a 13ª Vara destruísse as provas — o que nunca aconteceu.
A alegação de ilegalidade nos métodos de investigação também foi apresentada ao TRF-4 no caso do sítio de Atibaia, mas foi ignorada pelo tribunal. Os embargos pedem que os desembargadores da 8ª Turma, a que julga os recursos da “lava jato”, se pronunciem sobre o caso.
“Necessário, portanto, que esse tribunal regional sane a omissão aqui apontada e analise tal ponto a fim de aclarar, diante do presente caso, se pode um Magistrado não só determinar ato ilegal como permitir que ele se repita e perpetue no tempo, sob a justificativa de não ter percebido justamente os dois ofícios da companhia telefônica que davam notícia acerca da real titularidade da linha telefônica interceptada”, dizem os embargos.
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Matéria publicada no site Conjur e replicada neste canal.